Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

sábado, 27 de novembro de 2010

Penúltimos Comentários

Assisti à peça ontem. Muito bom! Incrível como Leo Lama conseguiu trabalhar as sensações. Eu sentia o que eles sentiam. E quando eles não estavam, quando as luzes se apagavam, era um caldeirão de emoções. Interessante como a gente não presta a atenção a essas emoções. Gostei muito. Parabéns a Leo Lama, aos atores e a toda equipe! Cristiane F. Alves, Risk Manager - Latin America da Pirelli Pneus Ltda, espectadora essencial.

Muito bom, trabalho intuitivo! Ainda mais porque foi escrito quando o autor ainda era criança (24 aninhos). Acho que o melhor é logo de cara a imagem, a tensão dual de anjos paraplégicos e deficientes metafísicos. Reconheço muitas referências, uma longa lista: literárias, cosmológicas e pessoais. Muito pano para a manga. Impressionante os atores, especialmente Priscilla Carvalho, que parece estar mais próxima do texto. E que energia mobilizada! Como eles agüentam serem canais de tanto? Devem ter proteção angélica para lidar com a matéria sem despirocar! Afinal, Deus protege mulheres, crianças, bêbados, loucos e atores. Sergio Rizek, editor, espectador essencial, da Attar Editorial.

Fui assistir à peça na quinta-feira, obrigada. Gostei muito. Texto instigante e bons atores. Muitas coisas que não saberia explicar escrevendo, coisas que senti e pensei depois que saí de lá. Ando me perguntando: por quê? Pra quem? Por que agora?Por que aqui? Acho que o texto vai nestes pontos. Em alguns momentos me senti excluída de algo que só os envolvidos sabem. Por quê? Mas me instigou, fiquei feliz. Bel Kowarik, atriz, espectadora essencial.

Quero agradecer demais, realmente foi muito bom eu ter ido. Os atores são ótimos e o texto é muito forte mesmo. Eu tenho meditado todo dia e achei que a peça me deu um insight muito interessante, que tem a ver com o Zen. A peça é sempre muito subjetiva e fala de coisas que são difíceis da gente materializar na mente. Sempre fica uma coisa vaga, a gente não entende racionalmente. Mas entende irracionalmente. Foi isso que eu senti. Saí do teatro com uma compreensão, com o sentimento de compreensão. Mas não pergunte do que! Realmente uma compreensão irracional, como no Zen. Eu particularmente também percebi que tenho que ir mais ao teatro, pois é algo que estimula demais a mente, dá uma avivada nas idéias. Eu cheguei em casa e fui trabalhar nas minhas esculturas. Então foi assim. Essa peça de todas do Leo Lama é a mais poética. E fiquei contente de não perder, pois tenho acompanhado todas as peças do autor e isso é muito interessante, ver como um artista se desdobra. André Parisi, pintor, escultor, artista plástico, espectador essencial.

Que porrada!Adorei, simplesmente adorei! Que cutucada na consciência, hein?! Me identifiquei demais em muitos momentos dessa obra sensível e detalhista do Leo Lama. Mal consegui me mexer na cadeira, tanto é que até esqueci onde estava e o envolvimento com olhares, lágrimas e tudo, me chocou a ponto de rever a nossa realidade que quase nada de bom tem, por quê? Porque somos hoje em dia (pós anos 90) cada vez mais centrados em nossos próprios umbigos, em nosso próprio mundo. Vai se o tempo, e o ser humano está cada vez mais deslocado, alojado em sua pequena prisão, a da alienação. André Mello, ator, espectador essencial.

Sem se mexer, a energia da atriz mexeu muito comigo. Não saberia explicar racionalmente, mas é isso que buscamos, não é? Parabéns pelo trabalho. Camila Rondon – atriz, cantora, compositora e jornalista, espectadora essencial.

Parabéns pela peça, texto tocante, obrigada. Silvana Cardoso dos Santos, espectadora essencial.

Ainda não sei o que dizer. No mínimo me incomodou. Acho que estou digerindo. Ana Rosa, espectadora essencial.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Último Dia do Primeiro Dia

Primeiro dia de ensaio, foto minha.

Os fenômenos, ou seja, tudo que pode ser percebido pelos sentidos ou pela consciência, provocam diversas colorações no ego, segundo uma infinidade de gradações quanto à qualidade e à intensidade. Tais matizes indicam direta ou indiretamente o que somos; o sentimento é uma imagem ou uma modalidade da pessoa, dependendo do seu grau de profundidade. A qualidade do sentimento depende da qualidade do ego tanto quanto da do fenômeno. Como a inteligência e a vontade, o sentimento é uma faculdade simultânea de assimilação e discriminação.

Depois dessa breve reflexão sentida, digo que nossa peça “O Primeiro Dia Depois de Tudo”, cumprida a temporada inicial em São Paulo, deixa um sentimento bom em quem participou do trabalho. Digo isso também muito pela resposta que tivemos do público. Formado por espectadores seletos, de alto nível, participativos, que nos questionaram, apoiaram, (alguns assistindo mais de uma vez), criticaram, incentivaram, doando mais do que esperávamos, nos fazendo querer doar tudo que pudemos em cada apresentação, para que fosse sempre melhor do que a anterior.

Nossa luta continua, em batalha para apresentações em outros lugares, aldeias, cidades, países e espaços intergalácticos ou em quintais de consciência. Estamos colocando projetos em Leis, ligando para SESCs, procurando teatros, porque, na verdade, tudo que queremos é trabalhar. Procurar trabalho também é trabalhar.

Em nosso país, como todos sabem, fazer arte é uma luta, pois a cultura está diretamente ligada a interesses políticos e mercantilistas e muito pouco conectada com a ética e com a pesquisa profunda de novas linguagens artísticas. Não importa, somos singularidades e não é porque chove que não está fazendo sol.

Assim vamos, como quem nunca sai de cartaz.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Amores alados, dores terrenas

Crítica de Valmir Santos em seu site: http://teatrojornal.com.br/blog/2010/11/amores-alados-dores-terrenas/

Se escrever, não dirija. Os dramaturgos dão de ombros para isso. Samir Yazbek, Mário Bortolotto, Claudia Schapira, Roberto Alvim e Newton Moreno, entre outros, estão cada vez mais apossados da cena. Também. Em sua produção sazonal e de soslaio, Leo Lama se assume espirituoso na busca pelo que se deduz uma reza, um mantra sobre os conflitos de que são feitos o teatro e a vida. Particularmente quando a dois, como no microcosmo da experiência mais recente, O primeiro dia depois de tudo. A peça de 20 anos atrás ganhou um novo tratamento sobre a enésima história de amor. Tornar a palavra imagem é que são elas.

Lama vai a Dante Alighieri e Beatriz, o amor da musa idealizada pelo poeta, para falar da realidade de seu tempo. Purga a relação de um casal em seu estágio derradeiro. Se os diálogos e as passagens narradas abrem janelas a ironias e estados ridículos dos enamorados em crise, a encenação não alivia em sua austeridade. Essa tensão leva o espectador a partilhar o labirinto existencial com intimidade que o espaço exíguo da Sala Vitrine, no Teatro Imprensa, só faz colaborar.

Na parábola, Beto e Beatriz perderam o movimento do corpo. Resta-lhes a cabeça. A razão e as asas – a plumagem branca salta armada das omoplatas dos seres vestidos de luto, cada um em sua cadeira de roda. A imobilidade (oposição sustentada sob preparação corporal de Joana Levi) é ponta de lança da direção. A paralisia, a base preta dos figurinos, o desenho de luz espectral (por Fábio Retti), os blecautes caudalosos, toda a atmosfera melancólica vem confirmar que o inferno não são os outros, mas eles mesmos, os sujeitos protagonistas.

Importa notar em O Primeiro Dia Depois de Tudo o dramaturgo desconstruindo o amor romântico com “uma tragédia poética”, como ele chama, atento à liquefação cotidiana, rindo da traição e da posse, pasmado diante da inconsequência dos sentidos e afetos abortados. E, principalmente, o dramaturgo capaz de ser outro enquanto encenador, distanciar-se como inventor de linguagem cênica que amplia os horizontes do texto ao “aprisioná-lo”.

Somos surpreendidos ao ouvir de Leo Lama, por meio dos personagens, que não existe remédio no teatro para as dores de amores. Um autor em mutação permanente que permite ao eu diretor mãos lapidadas e ousadas como não vimos até aqui na carreira. Se for preciso dizer alguma coisa, é a linguagem, uma teatralidade de pulsos beckettianos que vai gritar ou silenciar sob um texto bem estruturado para assuntar o banal e o convencional nos dias de hoje. O discurso na chave negativa revela luminoso o amor de pés nos chãos, menos idílico. É o que se depreende da voz e do pensamento de um homem e de uma mulher contemporâneos, por Priscilla Carvalho e Leonardo Ventura, cúmplices decisivos nesse processo de anjos urbanos caídos. Na simbologia erguida por Lama, aleijões da alma e do corpo rogando por ouvidos, oscilando o que foram e o que gostariam de ter sido. Na condicional.

Foto de Heloísa Bortz.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O que par seria

Andreah Dorim, artista essencial, sempre mirando pra cima. PARÉ.

A valorização, qualquer que seja, não é sempre uma verticalização? Não é fácil para o homem se tornar ereto. Todos engatinham por algum tempo antes de erguerem-se e muitos, mesmo depois de levantados, ainda conservam curvas nas costas, como se pendessem para o mais baixo. Estar de pé é um símbolo muito forte, principalmente porque é o mais alto que cada um de nós pode chegar com os pés no chão. Estar de pé ao lado de alguém é o que define nossa espécie. E é essa a noção que, por ser tão óbvia, logo perdemos. O ser humano quer estar no topo, não contente em estar apenas em si.

Quando vemos uma tribo indígena dançando de mãos dadas ao redor de uma fogueira ou formando um círculo, podemos perceber que as tradições dos povos primeiros são baseadas na força do estar junto em ritual de compartilhamento. E é preciso sempre, para esses, estar lembrando essa força. Mas aqui, na chamada civilização, muitos precisam lembrar o quanto são importantes enquanto indivíduos, justamente por não se acharem assim, e necessitam buscar uma auto-afirmação umbilical por insegurança ou carência de reconhecimento, o que não é estranho, já que o ensino na maior parte do país e do mundo é baseado no abandono e no abuso, assim como a educação que recebemos de nossos pais. Todas as propostas “civilizatórias” nos levam à solidão e à falta de referência e causam o isolamento e o comportamento defensivo. Sentindo-nos assim, como poderíamos nos abrir para a eucaristia?

Pensando apenas no teatro, reconheço que não existe a menor possibilidade de uma peça ser realizada satisfatoriamente sem a comunhão, sem o estabelecimento de uma comunidade ou, no mínimo, sem a composição de um par. Ao longo desses anos minha vida foi uma escola de aprender a compartilhar. Como todos, perdi muito tempo por ter sido condicionado ao egoísmo e às ilusões do ego. Portanto, agora que estou no pré-primário, é importante que eu reconheça, em cada atitude e frente a cada nova proposta de trabalho, que não realizei nem vou realizar nada sozinho. Vivemos o tempo do “por favor, vote em mim pra que eu ganhe um prêmio”, mas, parece que está cada vez mais claro que só seremos singularidades se votarmos em nós.

No caso da peça O Primeiro Dia Depois de Tudo, peço que leiam a ficha técnica postada aqui ao lado e entendam que tudo que foi realizado em nosso processo foi em conjunto e os dois atores recebem o maior mérito, pelo empenho e pela dedicação exemplar, empreendidos sem a menor remuneração. Em meu caso particular, devo a realização dessa peça à persistência e à coragem de Priscilla Carvalho, que foi minha companheira em todas as etapas.

E por fim gostaria de dizer que tudo que faço e penso em fazer se deve à minha parceira de sempre e sempre Andreah Dorim. Cada linha que escrevo, cada direção que imagino ou tento realizar está continuamente sob a influência que essa artista essencial exerce sobre o meu pensamento, a minha vida, a minha obra. Eu não teria chegado onde estou se não fosse ela, não que eu tenha ido muito longe, mas se dei um mínimo de lapidação ao me talento, o mérito é em grande parte de Andréita Dorim, minha comparte.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Exercício Excalibur

Artur Pescador - Perdão, senhorita, posso entrar?

Guenevera - Entrar? Aqui o público não vem mais, o que veio fazer aqui, tolo? O teatro não pode competir com o mar.

Artur Pescador - Chove lá fora. Posso me abrigar da chuva aqui?

Guenevera - Eu sou mulher e atriz, posso ser chuva também.

Artur Pescador- Que imagem bela é a água.

Guenevera - Não para de chover em mim, espectador errante, isso é benção ou castigo? Veio se abrigar da chuva no teatro? Surpresa! Hoje representaremos “A Tempestade”.

Artur Pescador- Eu vim ao teatro querendo ouvir a música do mar.

Guenevera- Se meu amado apenas me tocasse com seus lábios, como a flauta eu romperia em melodias.

Artur Pescador- Se eu fosse um flautista...

Guenevera- Sou uma flauta sem notas. Estou seca. O mar é que é molhado.

Artur Pescador- Se o seu ouvido estivesse em meu peito agora, ouviria o lá que afina.

Guenevera- Toquei tantas notas e nunca encontrei esse lá, por que estaria o lá aí?

Artur Pescador- Talvez o lá seja a única nota em si.

Guenevera- O mar encobriu a música. Assim, atriz, não pareço capaz de amar? Pensa que tudo que faço é representação? Amei mesmo que meu amado amasse mais o mar do que minha melodia.

Artur Pescador- O Amado é tudo em tudo, quem ama é apenas cortina, véu.

Guenevera- Se o amado é o único que vive, quem ama está morto? Sou atriz, sei morrer de verdade.

Artur Pescador- Sou espectador, como eu poderia me manter vivo se quem eu amo revelasse seu rosto?

Guenevera- A morte é a derradeira cortina. Os atores já não atuam mais com máscaras. O amor quer ver o seu espelho revelado, pois se o espelho não reflete, de que serviria?

Artur Pescador- Por que um espelho não refletiria?

Guenevera- Porque a ferrugem não teria sido retirada de sua face.

Artur Pescador- Daqui só vejo clareza.

Guenevera- Sou frágil, eu me quebraria fácil como a arte se quebra sem o rito.

Artur Pescador- Eu te trouxe um rito. A música agora é o silêncio do avesso. Posso te chamar de esposa, como quem toca a mais bela melodia?

Guenevera- Experimente me tocar para ver se eu sou música.

Artur Pescador- Esposa.

Guenevera- Destino.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Purgatório

Foto de heloísa Bortz.

A escuridão nos obriga a aguçar os ouvidos e prestar atenção no ansioso zap da rádio que passa por músicas de diversos gêneros e épocas, sem parar por muito tempo em nenhuma, numa busca incessante da música certa, da sintonia. Acendem-se as luzes e o prenúncio musical se revela através dos atores presos em cadeiras de rodas, presos em asas, presos no limbo, presos em culpas. Flashes de passado e futuro se alternam com o presente, confundem o público entre o real e a fantasia, mas isso não importa, pelo contrário, realça a percepção do que é a própria vida, do que é a experiência humana do amor entre casais.

Roberto Aligheri e Beatriz, explícita referência ao momento do purgatório na obra de Dante, vivem em cena a busca pela sintonia unicamente pelo canal verbal. A possibilidade do contato físico, que muitas vezes pode resolver, ou piorar os conflitos, inexiste, assim como a presença de outras pessoas: apesar de evocadas, não têm como opinar. Roberto, o Beto, um músico que assim como é incapaz de mostrar suas músicas, também não mostra seus sentimentos. Está ali em uma missão, ajudar Beatriz, mas com o desenrolar do espetáculo percebemos que é Beatriz quem o ajuda, a mulher provedora, que devagar vai despertando o latente Luciano que vive em Roberto. A difícil comunicação entre os mundos dos amantes, o que podia ser dito, mas não foi, as interpretações errôneas, traições, picuinhas, o aborto. As situações não resolvidas, a lenta consciência das mesmas e a dificuldade que o ser humano encontra em ser apenas humano, não anjo, trazem o peso intransponível da culpa.

Não saí tranqüila. A liberação das personagens, das asas e da cadeira de rodas, talvez por serem espíritos, não me trouxe paz. A música do final, que agora não me lembro bem da letra, dizia algo como às vezes é melhor deixar morrer. Mas tive a impressão que terminaram talvez mais confortáveis, por perceberem não ter a obrigação de serem anjos, e portanto, livres das culpas. O texto é excelente, e os atores também! Tive insônia naquele dia, sinal de que mexeu.

Elisabet Just, cantora, espectadora essencial.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Impacto

Foto de heloísa Bortz.  

Assisti à peça O Primeiro Dia Depois de Tudo e o que tenho a declarar é que o impacto que a peça causa é muito grande. Me levou a refletir sobre o que tenho feito da minha vida hoje, e a pensar o quanto é importante viver intensamente cada minuto para não se arrepender depois. Obrigado, Leo Lama, pelo presente que você nos deu ao escrever esse texto. Estou navegando pelo blog e a cada post que leio me apaixono mais pelo seu trabalho. Amo Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e estou conhecendo os trabalhos de Tchekhov e estudando Stanislavski e Kusnet. Mas a idéia de ter um grande autor nos dias atuais é fascinante. Parabéns.

Alex Garcia, espectador essencial, enchendo a minha bola, botando lenha na fogueira da minha vaidade.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Espectadores Essenciais

Foto de Helô Bortz.

Assisti à peça. Parabéns em primeiro lugar! É muito legal como conseguimos ver o apartamento, a banheira, a janela... O vôo (ainda que os atores estejam o tempo todo parados). Sucesso a vocês!

Luma Oquendo, espectador essencial.

Quero parabenizar Leo Lama por esta peça! Eu nunca tinha visto nada igual! Leonardo Ventura e Priscilla Carvalho apresentaram a peça magnificamente bem, mas nada teria sido sem esse texto! Assim que terminou, eu pensei: "É disto que eu preciso, e é isto que eu quero". Parabéns! E espero assistir mais peças do autor.

Fabio Ramos, dublê, espectador essencial.

Acabei de voltar ao meu apartamento e já estou no meu equivalente de cadeira de rodas, interagindo com meus amigos virtuais pelo facebook e fantasiando em meus pensamentos, como de costume. Gostei bastante da peça, me identifiquei muito e me fez pensar bastante no caminho a pé pra casa. O trabalho dos dois atores no espetáculo está realmente incrível.

Henrique Pantarotto, comediante, espectador essencial.

Agradeço pelo maravilhoso espetáculo que assisti ontem, o PRIMEIRO DIA DEPOIS DE TUDO. Tantas impressões, tão fortes...Sucesso, vocês merecem!

Elisabet Just, cantora, espectadora essencial.

Amei o começo no escuro com as musicas, as asas, o tema abordado, os momentos engraçados... Um espetáculo muito bonito. Fiquei pensando no que você escreveu, como lotar teatro sem atores globais, etc. Acredito no boca a boca, vamos falar do que é bom.

Daniela Pisani, atriz, espectadora essencial.

Gostei muito do texto, inteligente, tanto que quero ver de novo, eu tenho dois amigos que amam teatro e se eles não foram vou levá-los. Gostei muito do ator, ele é muito bom.

Roberta Serretiello, sonoplasta, espectadora essencial.

Confesso que não sabia da existência de Leo Lama até hoje de manhã, quando ouvi uma entrevista dele na rádio. A-do-rei. Tudo. As idéias, forma de falar, forma de conversar com os "amigos" do Facebook, convidando um a um para ver o espetáculo e conhecer seu trabalho. Adoro gente. Adoro pessoas que vivem por seus propósitos. Quando soube de quem é filho aí me amarrei. Respeito o Plínio porque também viveu por seu propósito e não se deixou cooptar. Principalmente naquela época em que era tão mais fácil, para alguns, desistirem de seus sonhos. Quero também ir ao Teatro Imprensa para ver a peça que comentou. Quero conhecer o trabalho de Leo Lama mais de perto. Tenho certeza de que me enriquecerei muito com isto.

Cida Medeiros, ouvinte essencial.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Famoso

Leo Lama em foto de Edu Campos. Minha escrita é miha arma a serviço do Espírito.

Na alta Idade Média, período no qual a sociedade ainda não estava corrompida por religiosidades moralistas e decadentes ou por materialismos egocêntricos, o povo falava uma linguagem simbólica e elevada, e o Espírito era o centro da busca de um ser humano de alma nobre. Nessa época, aquele que mais representava esse ideal de nobreza era o cavaleiro. Tal figura tinha dois objetivos na vida, o primeiro era servir a uma Dama, que representava Deus e o segundo era ser famoso. Sim, mas não a qualquer preço, não por sua aparência física, por algum escândalo, ou por uma jogada de marketing. O cavaleiro queria ser famoso pelos seus atos, pelos seus feitos, por sua obra enquanto atividade servidora dos outros, da humanidade, da ética, das virtudes, das Leis Divinas. Assim se pautava a conduta de tal homem. Assim sua fama o precedia nos lugares, assim ele era conhecido e respeitado e admirado como um modelo, um protótipo de bondade e justiça no qual se podia espelhar.

Pensando nisso é que quero ser minha própria grife e quero torná-la conhecida por uma busca de perfeição e harmonia. Escrever para servir aos outros, ao mais elevado, ao Espírito. Me tornar famoso por meus atos, por minha nobreza, por idéias claras e criatividade altruísta e capacidade de escolher e proporcionar sempre o melhor. Devemos ser positivos e otimistas o tempo todo, assim eu penso, criticamente. Querer aparecer é feio, tacanho, é personalismo tolo e exibicionismo barato, mas querer fazer aparecer o melhor do ser humano em si, eis o que é fama.

domingo, 31 de outubro de 2010

Se eu falar "Papai Noel", você já estará sendo manipulado!

Entre 1999 e 2001, eu passei por uma experiência inusitada, fiquei escrevendo minhas peças em uma agência de propaganda. Foi uma idéia do publicitário Celso Loducca, de ter um artista, no caso um dramaturgo, inquietando seus diretores de arte e redatores. Nem eu nem ele sabíamos o que eu estaria fazendo lá. Em princípio eu ficaria um mês, escrevendo peças de teatro e tentando provocá-los. Fique quase três anos, em uma das experiências mais fascinantes da minha vida. Inventei uma coluna diária chamada “O Palácio das Mentiras”, em que eu escrevia textos extremamente provocativos, falando sempre muito mal não só do trabalho deles, mas da vida que levavam, e acabei virando uma espécie de ombudsman da agência e das pessoas que ali trabalhavam. Muitos deles nunca tinham pisado em um teatro na vida. O bom é que eles me desmoralizaram muito também, me fazendo enxergar o quanto a maioria do que é feito em teatro é insuportavelmente chato. Na troca, aprendi a perder o preconceito, a conhecer o trabalho daqueles que sempre foram considerados os demônios da criatividade, aprendi a conviver com pessoas que precisam ter idéias 24 horas por dia, em um negócio extremamente competitivo e arriscado, no qual cabeças rolam o tempo todo e fazer sucesso com uma campanha é uma questão imprescindível para uma sobrevivência no mercado.

Alguns de nós, artistas, são muito mimados, divas de uma pseudo-ética, de um puritanismo falso. Precisamos perder certas ingenuidades, precisamos lembrar que o Papai Noel é como é por causa de uma campanha publicitária da Coca-Cola. Pois é, meus amigos, sinto ter que lembrá-los, mas quem criou a imagem do bom velhinho gordo, simpático e caridoso, vestido de vermelho e branco com uma cinta preta (lembrem da garrafa do refrigerante) foi o publicitário Thomas Nast, em 1920, em uma campanha paga pela gasosa mais bebida no mundo. Sem sentimentalismos, pensemos. Somos melhores do que eles? Nós queremos que nossas obras apareçam tanto quanto um dono de produto quer que seu produto apareça. Eu aprendi com as “putas da criatividade” que tudo pode ser feito diferente do que já existe o tempo todo. Essa mesma agência onde eu escrevi algumas de minhas peças foi capaz de criar recentemente um anúncio comestível, e outro em uma capa de revista em que você aperta um botão e fala direto com o produtor, conseguiu mobilizar a cidade no Projeto Cyan (que em grego quer dizer “a cor da água") da Ambev e pintar jornais e páginas da web de azul e muito mais. E nós, o que conseguimos de inovador quando queremos divulgar nossas peças, nossos livros, nossos CDs, nossos trabalhos artísticos? Até quando vamos ficar nessa ladainha de que precisamos de “gente famosa” em nossos projetos para chamarmos atenção? Por que não conseguimos inovar e apresentar uma criatividade genial quando queremos mostrar nosso trabalho? Será que não está na hora de pensarmos em nossas produções artísticas como um “job” de forma mais integral, desde a idéia até a colocação do produto no mercado de forma inovadora? E vale também perguntar, aí sim, nos diferenciando e muito da publicidade, se o que temos para mostrar é realmente diferente, de qualidade, e importante para o “consumidor” ou se nossa arte é apenas mais um objeto de consumo e entretenimento barato, que afirmamos que é bom só porque é nosso. Por que, afinal, qual é a função da arte?

Fazer propaganda não é vender uma marca ou um produto, é conhecer pessoas, conhecer como pensam as pessoas, como reagem psicológicamente às coisas, para que se possa manipulá-las, para que queiram comprar marcas e produtos. Então chegamos a uma questão ética, não chegamos? Devemos manipular pessoas para que saibam de nossas obras? Talvez, nossa criatividade na hora de divulgar deva ser pautada pelo conteúdo do que queremos mostrar. O que queremos mostrar? Não somos comestíveis, não somos um botão em uma capa de revista, não temos força para pintar o mundo com a cor da nossa arte. Então, o que somos? O que podemos fazer?

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Gente famosa

Leonardo Ventura e Priscilla Carvalho, atores que cada vez mais são reconhecidos pelo trabalho que fazem.

Quando estamos começando uma nova produção, quando estamos em cartaz com alguma peça, quando pensamos em realizar algum projeto, quando vamos conversar com algum patrocinador, quando temos alguma idéia, nós, os artistas, estamos sempre assombrados por um fantasma. Embora possamos classificá-lo como “a quimera da mediocridade” ou “a assombração da injustiça”, ele tem nome, e precisa mesmo ter, porque é do nome do fantasma que estou falando. A necessidade de um nome conhecido. Falo do talvez insolúvel problema de ter ou não “gente famosa” no projeto. Gente que faz novela, programa, eventos, aparece em jornais e revistas, e tudo que faça com que uma fuça apareça para um público que se importa muito mais com quantidade do que com qualidade. Sim, podemos pensar que os bons do ofício se destacam e, portanto, ficam famosos, mas, isso não é uma verdade lógica no que diz respeito à fama, é? Há muita gente aparecendo que não tem o menor talento nem a necessidade de aparecer, a não ser por vaidade própria. Ao contrário, muitos dos que aparecem precisariam ser escondidos, porque é vergonhoso quando uma pessoa repleta de incompletude e cheia de boçalidade se auto-intitula aquilo que não é. Ser ator ou atriz, quase todo mundo é, ou já foi alguma vez no teatrinho da escola, escrever todo mundo escreve, ainda que mal, e se pode pintar, dançar, cantar, mas ser artista em uma pesquisa artística, poucos são. Talento não é propensão, insistência teimosa não é vocação.

Nas classes mais baixas e entre os ignorantes (e uma condição não é sinônima da outra), fica mais evidente ainda: quem aparece na televisão ou em uma novela da Rede Globo é muito mais respeitado como artista do que quem tem um trabalho sério e profundo de pesquisa no campo da arte. Nas classes mais altas (os donos do poder e do dinheiro), os chamados artistas famosos são vistos como putas que servem para divulgar uma marca, uma empresa, um produto ou criar uma tola condição de status. Em nosso maravilhoso país é preciso fazer lobby com aproveitadores, diretores de instituições entediados, programadores culturais que pouco sabem do assunto,  para se conseguir fazer arte. Os desconhecidos da mídia praticamente precisam pagar para fazer e aparecer.  Os artistas não são respeitados pelo que fazem e apresentam, mas pelo que representam na mídia. Tal prática parece ser uma prisão desanimadora para quem está começando e como perspectiva única de sucesso só tem a possibilidade de tentar de tudo para ser famoso. Isso não é choro de despeitado, é uma constatação antropológica: vivemos em um tempo de distorção de valores e de perversão social, e já não é de hoje.

Mas, cabe ao público, mediocrizado por informações distorcidas, alimentado por uma indústria rentável e às vezes maldosa, não se deixar enganar. Aos que poderiam ter uma Arte Ética, de acordo com uma vida ética, cabe aumentar seus recursos de inteligência crítica e se defender da unanimidade burra e do pensamento pasteurizador. São os espectadores que devem ousar, ir atrás do desconhecido, do que nem imaginam que exista, mas existe, do que é bom , mas não está na TV. Do que tem qualidade, mas ainda não foi encontrado e estragado por um senso comum que nivela tudo ao gosto das indústrias de massas. Acreditem, espectadores, há vida fora da televisão. Caso não encontrem, exijam.

O que eu devo fazer quando termino de escrever uma peça? Com quem devo montá-la? Preciso sobreviver, pagar contas. Já passei por algumas experiências, sei de algumas diferenças. Vi o dinheiro entrar na minha conta de um jeito avassalador quando minha peça foi montada por famosos, vi o teatro à míngua quando excelentes atores “desconhecidos” montaram. O que dizer para quem quer fazer teatro hoje? O que dizer para um jovem ator? Devo dizer para ele levar uma fita a uma emissora de TV, uma daquelas fitas (sou do tempo das fitas, hoje é Dvd) sem qualidade artística que se empilham na mesa de algum produtor de novela que abusa de um poder que não tem? Como fazer teatro sem precisar depender da TV? Me ajudem. Por que vocês não lotam um teatro grande quando não há "gente famosa" no elenco, ó espectadores?

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Des

Na porta do abismo da morte cotidiana estivesse a relação sexual sã. Pernas, fossem braços, abertas como abraços e ter o Chi dentro de si. Não gozassem babas os amantes, despornografias se lhes assumissem, fossem pureza úmida a circular entre corpos. Deu-se a cama: nós. Agora diante de um o outro e a perplexidade. Se não soubessem, se nunca dantes, se nada prévio a porvir. Virginando-Si. Desestupros. Se não vertessem o gozo mais espesso, engolissem livros, se línguas se reconhecessem em longo lago. A tarde toda: Tao. Se fazer amor. Caminhar sobre as peles com as mãos, diminuir os sentidos: cegar-se. Des-ver, desvendar, revelar. A luz do crepúsculo, o lençol formando formas de movimentos, buscas, suores advindos de desejos rituais. Caçar com a boca. Os buracos, as chaves de fendas, os mistérios: o que penetra, o que se nos invade, o que despe, o despudorado, o desinibido, o desmascarado, o desconhecido. Agarrados todos os bichos em medo e vertigem fossem cair, sumir, desintegrar, virassem força. Que fossem gente os amantes.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Rodeio das Gordas

Boa tarde caros colegas! Perdoem-me o transtorno, mas é necessário fazer uma denúncia, um protesto. Sou aluna da Universidade Estadual Paulista, Campus Assis, e é com imensa indignação que venho manifestar minha vergonha e meu ódio por ser obrigada a partilhar dos mesmos espaços que certos alunos. Todos os anos, nossa Universidade organiza um grande evento que teria por finalidade integrar os estudantes dos diversos campos com atividades esportivas e festas. No entanto, no último InterUnesp,(se não me engano, realizado nos dias 10, 11, 12 e 13 de outubro) na cidade de Araraquara, pessoas que possuem um estereótipo físico disseminado como incorreto em nossa sociedade saíram de lá estigmatizadas e humilhadas.

Trazido dos rodeios convencionais para a festa universitária por alunos do curso de Engenharia Biotecnológica da UNESP de Assis, o “Rodeio das Gordas” foi a forma de diversão encontrada por esses e outros alunos de outros cursos durante as festas de 2010. Os praticantes, autodenominados “peões” abordavam garotas gordas e as agarravam ou mesmo montavam em cima destas enquanto seus nobres amigos de rodeio o observavam para um posterior julgamento. Acumulava maior número de pontos aquele que conseguisse segurar a garota (enquanto esta se debatia) por mais tempo. O vencedor, ao final das festas ganharia um quite com bata e caneca oficial do “Rodeio das Gordas”.

Uma comunidade no orkut foi criada para disseminar a ideia e para que os supostos “peões” pudessem trocar experiências e técnicas desenvolvida com as “bandidas”, termo utilizado por Daniel, mais conhecido como “Cogu”, membro da comunidade para referir-se às garotas as quais agarrava violentamente. Além de agarrar, nossos caros colegas, de antemão justificavam à garota o motivo pelo qual esta teria sido escolhida : “Escolhi você por ser a garota mais gorda que já encontrei”.

Apesar de a iniciativa ter surgido de alunos de Engenharia Biotecnológica, por enquanto sabe-se com certeza que alunos dos cursos de Psicologia e Ciências Biológicas também participaram dos atos. Agora pergunto-me e pergunto-lhes: Que espécie de psicólogo será este que inescrupulosamente comete brutalidades físicas e PSICOLÓGICAS contra outros seres humanos? Que tipo de professor será este indivíduo estudante de biologia, capaz de acabar com a vida de um aluno após um ato de bullying em sala de aula?

Como uma amiga disse, assim como o Holocausto, o Rodeio das Gordas deve ser lembrado e discutido constantemente. Para que nenhuma outra pessoa sofra tal humilhação, manifestações e intervenções devem ser feitas frequentemente no intuito de conscientizar as pessoas sobre tais práticas, as quais precisam ser sempre relembradas com asco e para que cada praticante ou conivente com os atos brutais envergonhe-se todos os dias ao pisar no solo sagrado da diversidade, respeito e liberdade que é a Universidade, em especial, a Universidade Estadual Paulista - Campus Assis.

Mayara da Silva Curcio, graduanda em Psicologia pela UNESP – Assis.

domingo, 24 de outubro de 2010

Casais são legais

Casais gostam de criticar os outros casais. Casais gostam de brigar. E gostam de dizer que não vão mais brigar. Casais têm manias. Casais se chamam por estranhos apelidos e diminutivos. Casais se xingam pelas costas ou pela frente mesmo e usam alguém que os conhece como interlocutor de sua intimidade devassada. Se uma das partes pedir a sua ajuda ou conselho: não dê. Não tome partido. Não concorde quando uma das partes disser que a outra não presta. Pondere. Casais podem fazer as pazes antes de você elaborar a briga deles e podem acabar ficando contra você. Casais são traiçoeiros. Casais podem ter amantes. Casais acham que são melhores do que outros casais ou acham que são piores do que outros casais. Casais são auto-referentes. Casais são iguais aos outros casais. Não é recomendável dar pipoca aos casais. Casais precisam de programação. Casais encontram dificuldade para escolher aonde vão comer. Acusam-se mutuamente de não ter iniciativa. Uma das partes está sempre interferindo na vida da outra. Sempre dizendo o que deve e o que não deve fazer; como se soubesse. Casais são invasivos. Casais são ciumentos. Casais são possessivos. Casais são largados. Casais engordam. Casais gostam de chalezinhos e pousadinhas. Casais se separam e formam outros casais. Como bactérias infestam o ar das pizzarias. Casais saem pra jantar com outros casais e conversam coisas de casais. Casais reproduzem-se e os filhos de um casal podem virar um casal com os filhos de outros casais. Casais vão ao Shopping Center. Casais vão ao Lar Center. Casais vão ao Promocenter. Casais fazem planos. Casais sonham iguais a outros casais. Casais discutem seus relacionamentos e seguem se relacionando em desacordo com suas discussões. Combinam o que não cumprem, toleram o que não suportam, se tornam o que não queriam. Casais constroem o amor, como pedreiros. Casais querem segurança. Casais dizem que amam. Casais param de dizer que amam. Casais não sabem se amam. Casais esquecem porque se amavam. Casais se juntam porque percebem que têm tudo a ver um com o outro. Casais se separam porque percebem que não tinha nada a ver. Casais são legais. Dentro da lei. Ordem e Progresso. Amém.

sábado, 23 de outubro de 2010

O Leopardo das Neves

A peça "O Primeiro Dia Depois de Tudo", pra mim, é como um mantra orgânico. O corpo dos atores nos conduz a uma viagem pelas sensações. Gal Oppido, fotógrafo, espectador essencial, depois de assistir pela segunda vez.

Durante quase todo o ano o animal, no Himalaia, fica afastado de duas semanas a três dias de distância do outro de sua espécie. Cada um em seu território, buscando a sua caça, cuidando da sua fome. Existir solitário. Pernas fortes, patas largas, músculos cobertos por pele grossa e pêlos malhados que se misturam com as rochas quando não está nevando. Na brancura do gelo é a sombra amarelada e lânguida, salpicada de estrelas escuras.  Vida a espreita da carne. Até que abocanha: sangue no tapete alvo. Mordidas. Comer e acasalar. No tempo do acasalamento dá-se então a dança erótica dos grandes felinos. A fêmea esfrega o rosto nas pedras e urina exalando seu desejo. Sobe a íngreme jornada da espera. O macho desavisado sente o cheiro. Agora é viver para penetrar. Ainda desorientado ele precisa de mais sinais. Ela, no mais alto da montanha clara, geme o canto do chamado. Todos, de todas as laias e raças, sentem o coração tremer. Mas, o Leopardo das Neves, sabe que é com ele. Babando, em subida afoita, ele a encontra cheirando corrimento denso. Dançam no cume o balé dos corpos de sede, pele com pele, pêlos ouriçados e tudo é inesperadamente doce entre esses animais que destroçam espinhas, cravam dentes em vísceras e quebram pescoços. Ele a penetra.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ainda sobre casamento: troca de perguntas

Conversa com uma leitora do blog

Pergunta dela - Gostei muito da idéia de "integridade harmônica" e de "unidade entre alma e espírito". Concordo com os "esbarrões", que são constância por aí. Existem aqueles que duram anos, parecendo grandes encontros para aqueles que os vivem e para aqueles que os testemunham, os legitimam como tal. Mas me/te pergunto como reconhecer a "inteireza", a "completude" - em nós e no outro - num mundo que exige do ser uma miríade de comportamentos (que promovam soluções), em que o espontâneo dura apenas segundos, nem sempre reconhecido em sua singularidade? Como ir além das personas, tão bem articuladas e que demoram pra se mostrar apenas papel, caricatura de origami?

Pergunta minha – Bem, considero sua pergunta essencial. E vejo que na própria pergunta, há uma resposta embutida, não? Será que não reconheceremos a completude íntegra, em nós e nos outros, quando aprendermos a separar mundo de vida, sociedade de interioridade? E se ir além das máscaras for justamente, e apenas, ira além das máscaras? Como? Podemos nos desmascarar? E se o encontro, consigo mesmo e com os outros, for uma questão de subtrair-se e não de aparecer? Será que não estamos em um momento justamente de abrir espaços para que os encontros se dêem entre grandezas maiores do que nós? Que tal se o amor encontrasse com o amor e a generosidade encontrasse com a generosidade e a humildade com a humildade e não nós com a gente? E se o que nos desmascarasse e nos fizesse brilhar fosse o potencial de virtudes que temos em nós e não nossa personalidade trabalhada?

Pergunta dela - Seus anjos têm asas incólumes que se equilibram em cadeiras de rodas, imóveis. Concordo com você, acho que temos asas, mas não nos damos conta, não as usamos. Não as reconhecemos, nem as nossas próprias, nem a dos outros. Creio que seja por medo. Justamente porque não existe preparo ou completude para o amor. Por conta de tudo isso - como reconhecer que um esbarrão não é um encontro?

Pergunta minha – E se a diferença estiver no fato de que o esbarrão derruba e o encontro eleva? E se para que haja o encontro seja preciso derrubar?

Pergunta dela - Você fala em desejo, em aliança com teor sagrado - muito lindo, onírico, até! E pensa em votos declarados. Os votos, ao exporem a inteireza, não anulam o desejo? Não impõem limites? Talvez não seria melhor o silêncio? Talvez ele seja essencial para que haja o reconhecimento do desejo pelo que ele é - chama. Ou para o (re)conhecimento do outro - no escuro ou no claro, somente como sopro, que ritmado, conforma-se e combina-se ao do companheiro. Dúvidas, essas sim, nos imobilizam.

Pergunta minha – E se o ritual for justamente a produção do silêncio? E se ainda confundimos não falar com silenciar? E se forem as certezas aquilo que nos imobiliza? E se for a intuição o que nos faz ser? E se for abrir espaço para ela o nosso trabalho?

Pergunta dela - "Para isso escrevo minhas peças de casais, para achar minha integridade, meu casamento interior". E te pergunto: funciona?

Pergunta minha – É o que me pergunto.

domingo, 17 de outubro de 2010

Sobre Casamento

Penso que para podermos encontrar outrem, meus companheiros de solidão, um outro inteiro, pleno, integro, é preciso que já tenhamos realizado em nós mesmos a unidade entre a alma e o espírito, entre a mente e a intuição, entre a psique e o nous. Não se trata de procurar a outra metade, mas o inteiro que nos harmonize. Há muitos encontros de metades, e tais resultam em novas partidas, como se procriassem a fragmentação, a separação. Não é o que temos visto? Poucos são os encontros, muitos parecem ser os esbarrões. A integridade não é moral, é harmônica. O encontro é entre a Sofia e o Logos, entre Yeshoua de Nazaré e Miriam de Magdala, o casamento simbólico que existe em cada um de nós: a união entre a Luz e a Vida. Jesus nos lembra no evangelho que somos capazes de amar o outro não somente a partir da nossa sede, mas, principalmente, a partir da nossa fonte. Portanto, o verdadeiro nubente, o companheiro perfeito, não pede ao outro que tape seus buracos, não exige que ele preencha uma falta, mas que desfrute de uma completude. Assim se pode amar alguém sem que se roube uma parte de sua integridade. Talvez, o mais preciso voto de casamento, ou a maior declaração de amor que se possa fazer, consista em dizer a alguém: “Eu não tenho mais necessidade de você, eu posso viver muito bem sem você, eu estou muito bem sozinho (e isto é fundamental que aconteça em cada ser), mas escolhi viver com você.” Assim, não estamos falando em carência, mas em desejo. Nesse tipo de aliança existe algo de sagrado.

O masculino não é um atributo de um macho, o feminino não é o atributo de uma fêmea. Ambos os atributos completam um ser. A relação não é entre homem e mulher ou entre seres do mesmo sexo. Não é uma relação baseada em jogos mais ou menos sados-masoquistas de sedução e dominação que costumeiramente se apresentam como sintomas dos casais modernos. Estamos falando de uma relação entre duas singularidades, ou seja, entre dois seres casados em si mesmos.

Para isso escrevo minhas peças de casais, para achar minha integridade, meu casamento interior.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Crítica da Folha de São Paulo

Foto de Lenise Pinheiro.










Leo Lama alça voo alto com texto a respeito de anjos caídos

CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

O mais recente espetáculo escrito e dirigido por Leo Lama, "O Primeiro Dia Depois de Tudo", vai além do objetivo de investigação em nova dramaturgia a que se dispõe. Parte de um projeto de pesquisa batizado de "O Ator em Repouso", em que o congelamento dos movimentos no palco catalisa o texto, a montagem alça voo alto através de jorro verbal e mantém-se planando livre no ar. A presença de dois atores em cadeiras de rodas, interpretados com brilhante retenção por Priscilla Carvalho e Leonardo Ventura, cria um clima com pouca visualidade e intensa sonoridade. Toda a encenação acentua uma condição de paralisia que potencializa a escuta do texto. O casal narra trechos que apontam para uma trama envolvendo uma possível traição, um aborto iminente e eventuais vazões para um bar do teatro e uma livraria. "Não é o pensamento a nossa prisão?", eles se perguntam. A resposta vem em linguagem libertadora, que acontece no cruzamento entre o sublime e o profano. Imerso em clima de ritual ou de rotina, o casal detém-se em assuntos como o pagamento de condomínio ou o futuro dessa terra "de minhocas e das mesquinharias". Em contraponto à abstração do discurso, a peça flutua em constante tentativa de materialização dos personagens. Sutis referências canônicas e temas cristãos são tratados com ambiguidade. Afinal de contas, assistimos a anjos que acabaram de cair ou a figuras no limiar do final dos tempos? Uma micronarrativa através de mudras indianos em final inesperado nos revela o poder de observar algo físico no palco. Reiteram que, apesar da beleza dos gestos, é possível haver o mesmo impacto em dramaturgia.

O PRIMEIRO DIA DEPOIS DE TUDO

QUANDO qui. e sex. às 21h30; até 26/11

ONDE teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, Centro, tel. 0/xx/11/3241-4203)

QUANTO R$ 20

CLASSIFICAÇÃO 14 anos

AVALIAÇÃO bom

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Olhares e Visões

O Espectador Essencial é aquele que tem a generosidade de revelar seu olhar e nos tirar do escuro solitário de nossa própria sensação. Arte se faz em eucaristia: exercício e contemplação.

Os Olhares:

Nova experiência. Vi o espetáculo "O primeiro dia depois de tudo" semana passada. Foi uma experiência nova para mim que, até pouco tempo atrás, chamava espetáculo de "Show". Não conhecia o autor, diretor, atores e nem o teatro. Para mim o texto trabalhou bem os sentidos da audição e da visão, mas também um outro sentido que se mostrava dentro de cada um nos silêncios. Dentro de mim lembrei, repensei, lamentei, sorri, me expandi, estagnei, respirei, perdoei,voei. Embora seja a frase que me lembro, "Mais rituais, menos rotina", não foi a frase que mais mexeu comigo. Houve outras que não lembro, mas que sei que foram mais importantes pelas emoções que causaram naquele momento. Em algum lugar dentro de mim, jamais serão esquecidas porque me trouxeram algo. A luz penetra na escuridão, mas o oposto não ocorre. Tudo vai ficar bem, foi a mensagem para mim. Drama? Não! Vida real, e nela tem de tudo. Meu namorado, sonolento da lida, não discutiu a peça comigo. Preferia uma comédia. Não conseguia ver que tinha isso também na sua frente. Ainda penso e tento entender o objetivo da arte que vem ao mundo através de alguns que conseguem ver mais além e tem a bondade de dividir. Estamos todos aprendendo o tempo todo. Obrigada pelo tempo (temos tempo?) e pela nova experiência. Grata.

Regiane Mendes, espectadora essencial.

A doçura e as facas de sashimi. Fui, vi, adorei. Pensei tantas coisas sobre o que vi. Nenhuma delas de forma ordenada. Todas, em profundo silêncio, no caminho de casa, que descobri ser lugar nenhum. Quantas interrogações me subiram à cabeça. Fervo. Neurose e doçura são duas medidas do que todos nós somos e o autor captou isso de forma cáustica e doce, frágil, em certa medida. O texto elétrico só podia estar combinado com o repouso do ator, ou imobilidade, como queira - só entendi toda a discussão do antiblog depois que vi o espetáculo. Priscila-Beatriz me arrebatou. Tenho medo de dizer: "Lindo, o espetáculo!", mas já está escrito.

Andrea Scola, professora, historiadora, espectadora essencial.

Asas. Eu fiquei muito emocionada com a peça: O Primeiro Dia Depois de Tudo. O que tenho a dizer é que carreguei aqueles pares de asas comigo. Ao Leo Lama, parabéns por seu olhar sensível como diretor. É tudo tão profundo que você se sente um pouco Beatriz e Roberto. E aquela música: “As coisas deveriam morrer...”, ficou na minha mente.

Sílvia Diaz, atriz do núcleo experimental dos Satyros, espectadora essencial.

Leque. Estive novamente na Sala Vitrine para ver o espetáculo "O Primeiro Dia Depois de Tudo" no qual somos intimados a fazer parte da experiência apresentada. A peça nos abre um leque de possibilidades na hora da reflexão. Beatriz e Roberto são levados a retornarem ao plano da experiência em que fracassaram para um trabalho de reajustamento. Após a resignação e com a intercessão dos amigos, ou seja, dos anjos, alcançam a paz. Senti a platéia bastante contraída, poucos risos, alguém se emocionou muito. A peça é muito boa, o trabalho é muito bom: os atores, a equipe. Parabéns a todos!

Lenice Brito, professora, espectadora essencial.

Suco de Vísceras. Confesso que no começo do espetáculo fiquei sem entender o que estava acontecendo. Mas, quando a luz acendeu fixei meu olhar nos personagens. Teve um momento bem forte (quando a Beatriz falou de fazer um suco com suas vísceras), dei um pequeno sorriso, senti o olhar dela, tive vontade de dar uma gargalhada. A peça tem uma sintonia muito forte com a platéia. Gostei muito.

Talita Brito, estudante, espectadora essencial.

Foto de Heloísa Bortz.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Poético

Leonardo Ventura em foto de Felipe Hellmaister.

Vi o espetáculo “O Primeiro Dia Depois de Tudo” há duas semanas e foi uma experiência surpreendente. Não conhecia o trabalho do autor e diretor, só conhecia a pequena sala do Teatro Imprensa, que exige flexibilidade de encenação. Gostei muito da dramaturgia, pela abordagem do "estado contemporâneo" de existir, que apesar de aflitivo, no espetáculo não deixa de ser poético. A relação das personagens não cai no drama do confinamento das questões de casal de maneira nenhuma, são dois anjos, que têm um universo compartilhado. A encenação na estreita sala é genial, a opção pela imobilidade potencializa o interior das personagens e amplifica o espaço ao redor delas.

Por Luanna Jimenes, atriz, espectadora essencial.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Escuro Claro

Priscilla Carvalho em foto de Heloísa Bortz.

Todo símbolo tem sentido duplo. A palavra “luz”, em árabe, Nûr, um dos nomes de Alhah, que começa com a letra do alfabeto árabe nûn, (cuja forma é o de uma barca, um cálice) tem seu simbolismo ligado ao Profeta Jonas e ao ventre da baleia, que é escuro, traz em si a ambigüidade, pois toda luz requer escuridão para ser enxergada e dela nasce. O expelir do Profeta do ventre da baleia simboliza justamente um renascimento e tem muito a ver com minha peça, que é um grande ventre escuro onde a Luz é gestada e parida no final. Toda criança é gerada na escuridão. Minha peça fala dessa gravidez, desse limbo que é a espera da Luz, do primeiro dia. O símbolo é poderoso e precisa ser entendido. O estado que eu tentei criar com a peça é o do mundo intermediário, que, supostamente se dará depois da morte, estado do Bardo (como dizem os tibetanos), do Barzak (como dizem os árabes), estado comum a todos, mesmo em vida, por representar a transição, o entre. Minha idéia é que o espectador precisasse o tempo todo estar em um estado de busca de discernimento para poder interagir com a peça. Buscando discernir, buscando achar a luz, em vez de estar em um estado passivo, de receber tudo pronto. As asas estão, a paralisia está. O que seguir? O que enxergar? Discernir. O ator é o intermediário, a ponte, o istmo entre os dois mares, o das trevas e o da clareza. O ator deve produzir o intercâmbio entre esses estados e a platéia. Está na capacidade dos atores de produzirem a luminosidade o segredo dessa peça. Nós estamos o tempo todo trabalhando duro para tentar conseguir isto. A cada pulsação de um barzak se produz uma transformação da luz vital. Expansão e contração, afirmação e negação, exatamente como são os movimentos do corpo dos atores na peça e o da criança no útero e o do coração, que é o molde do sujeito. O coração é o mediador entre as esferas do Espírito e a alma individual. A peça tem o movimento da respiração, das ondas, dos fluxos: do coração. Paralisia e vôo.

Precisamos de um espectador imbuído de olhares investigativos e não de moralismos psicológicos e precipitados.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mais Rituais, menos Rotina

Foto de Heloísa Bortz.

Não sei nem por onde começar. Assistir à montagem gerou um bate papo de mais de duas horas entre eu e meu grande amigo Sandro, não parávamos de falar sobre as variadas percepções que O Primeiro Dia Depois de Tudo provoca. A começar pela trilha sonora do início da peça. O fato de trabalhar apenas um dos cinco sentidos, a luz apagada e aquela viagem de músicas interligadas, impressiona e causa impacto. Parabéns a Leo Lama e a Paulo Prestes Franco que fizeram tão boa seleção.

No debate, após o espetáculo, todos falavam e falavam e eu tinha vontade de falar em cima, mas contive meu ímpeto de comunicadora. Preferi me calar. Alguns falavam da tal “obscuridade da peça”, não perceberam que o escuro é simplesmente visual. Onde estava a percepção do povo em relação ao que provoca o texto ácido (característica mais que marcante desse tal de Mr. Lama) e imagético que nos guia ao extra-sensorial? É preciso perceber aqueles dois atores tão talentosos se expressarem quase que o tempo todo apenas com palavras e olhares, paralisados naquela cadeira de rodas, com limitações físicas, mas não mentais ou expressivas. Essas são as verdadeiras asas. Isso me fez pensar em compaixão, em cumplicidade, em AMOR. Coisas tão importantes que se perdem no dia a dia e empobrecem as relações humanas. São tantas formas de se comunicar e nos esquecemos de olhar no olho, da importância de um sorriso, de um bom dia, de parar completamente o que se está fazendo em um dia turbulento e ver o sol se por no caos da cidade. Tentar praticar o simples da vida, viver com o básico, sem luxúrias e excessos. A isso nos remete a peça e a proposta do Ator em Repouso, que recusa o burburinho corporal e refina a expressividade, nos fazendo sair refletindo a luz da mente clara. A GENTE PRECISA DE RITUAIS E NÃO DE ROTINA. Esta e outras falas da peça, não saíram da minha mente nos últimos dias. A prisão mental nos faz esquecer as decisões do coração. A luz só existe por causa da escuridão.

Paula Scarpato, do marketing estratégico da showlivre.com, espectadora essencial.

domingo, 3 de outubro de 2010

A Dança

Leonardo Ventura e Priscilla Carvalho executando Mudras tradicionais indianos, em coreografia de Zuzu Abu. Foto de Heloisa Bortz.

E começou tudo no escurinho do cinema, ops!, digo, no teatro. Uma colcha de retalhos musicais é ouvida no escuro contando uma história que vem dos anos 60 até os dias de hoje. E, ao mesmo tempo, tal história não é contada DE FATO. Que bom! É nos vazios e nos intervalos que as estórias são mesmo contadas. (E por que é tão difícil conviver com a dúvida e com a angústia hoje em dia?).

A luz acende e aparecem os personagens "presos" em suas cadeiras de rodas com asas em suas costas. Isto é forte. Essa sensação de impotência, de poderem voar, e ficarem ali, estancados. Mas... Que lindo! Mesmo assim, mesmo depois de tudo (o que foi tudo que aconteceu que os fez tetraplégicos? pouco importa.) eles ainda podem VOAR!

O tempo passa e vê-se a incomunicabilidade: eles falam um com o outro, e muitos são os diálogos possíveis, mas um fala A o outro responde B.  No entanto, é justo no momento não verbal que eles de fato se comunicam. Nos gestos finais,  no silêncio dos Mudras, eles  "falam" a mesma coisa, a mesma língua. É a dança que comunica além do verbo, sempre. Na dança e no silêncio, sem o verbo, se revela a comunhão do casal.

Adorei a parte em que os personagens discutem um possível aborto, em meio a gargalhadas. Descontextualização maravilhosa. A tragédia é uma puta comédia mesmo e sempre afinal.

Para mim, leitora do Tao-Te -King, IChing, Confúcio e afins, o mais difícil é entender a tal da não-ação. A experiência de ver os personagens o tempo todo sem se mexer, a dificuldade que deve ser para os atores passar a energia toda só com as expressões faciais... Muito bom. Os Atores são muito, muito bons. O alter-ego do autor está perfeito, até o mesmo nome, caramba!

Já disse demais. Hora do silêncio e da Não-Ação.

Por Sonia Andrade, arquiteta, espectadora essencial.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Apocalipse como revelação do momento presente

Crítica, por Dinah Césare em http://www.questaodecritica.com.br/2010/10/o-apocalipse-como-revelacao-do-momento-presente/

Um futuro que poderia ter acontecido – uma tensão temporal que formaliza as possibilidades de um desejo que já nasce morto. Essa é a composição da dramaturgia dos personagens Beatriz e Roberto que se expressam pela ironia e incerteza do futuro do pretérito em O Primeiro Dia Depois de Tudo, escrito e dirigido por Leo Lama, em cartaz na sala Vitrine do Teatro Imprensa em São Paulo. A atualidade do combate entre os efeitos causados pela presença e pelo sentido formaliza a dramaturgia e a encenação como escritas de um único fôlego que evidenciam uma espécie de necessidade de salvação da transitoriedade.

A questão crucial da peça parece ser justamente sua intervenção como poética permeada por uma composição simbólica que, se por um lado é quase inevitável que seja assim, por outro, insiste em uma fratura fragilizada na atualidade. A inevitabilidade do símbolo é um fator histórico. Ele foi entendido pelos românticos como um momento de totalidade, uma capacidade de concisão que aparece de repente e ilumina a noite escura (CREUZER apud Benjamin, 1984). Esses fragmentos de entendimentos instantâneos surgem em momentos cruciais da vida, em constante progressão e acompanhando o fluxo do tempo (GRÖES apud Benjamin, 1984). A dramaturgia de Lama pode ser percebida como uma materialização de imagens de tempos distintos que se dão a ver no mesmo momento. Ela está marcada por um jogo simbólico na construção das palavras que firmam uma performance que nos remete invariavelmente para outros significados, abrindo possibilidades para a cena transgredir o espaço da pequena sala do Teatro Imprensa. A força do símbolo aqui parece estar mesmo no fato de que não temos total conhecimento dos significados dos termos utilizados para formar os jogos de palavras, mas percebemos uma inadequação, um ruído na comunicação e, por isso, construímos sentidos que não estão previstos. A palavra, assim, surge com um potencial que lhe é próprio, ou seja, o de ser um meio para a comunicabilidade.

Essa composição dramatúrgica fornece um simbólico em um estado curioso de instabilidade. Ele acaba funcionando em uma performance alegórica. Alegoria pode ser entendida como uma coisa oferecida pela fabricação que inclui o material do qual é feita, porém, dá idéia diferente da que se anuncia. Alegoria, então, pressupõe a utilização de coisas distintas na sua fabricação que, assim e só assim reunidas, remetem à outra coisa que não se dá por uma adição literal das partes implicadas no objeto. Em termos de linguagem “A alegoria (grego allos = outro; agourein= falar) diz b para significar a.” (HANSEN apud Cícero, 2008). Dentro desta perspectiva, a alegoria é um desvio no significar, uma vez que ela diz b para significar a. Na linha desse paradigma, a beleza da dramaturgia está em nos indicar que nossas ações (no presente) carregam um prisma de possibilidades. Isso confere ainda significado para seu teor apocalíptico, ou seja, imprime seu teor de revelação.

Admitir o valor do símbolo como rescaldo do alegórico pode ser o modo possível de dar-lhe sentido na contemporaneidade. Quando Lama assume essa tensão na dramaturgia e na encenação, ambas ganham força , não como imposição de reiterações de sentidos, mas como blocos de sensações (DELEUZE) que transpassam nossos afetos. Isso se dá na opção de construção da peça como um continente sensorial logo ao início dos fragmentos de músicas que o espectador frui no escuro. Fragmentos reconfigurados como a operação do alegorista. Os fragmentos musicais nos remetem ao pop/samba,/popular,/hip hop e estão misturados com a insistência de uma única música que repete que as coisas têm de morrer – costura que é o teor de tudo que se (des)constrói. As referências musicais nos situam no resgate das vanguardas e sinalizam o “depois de tudo”.

A intenção da concisão simbólica é contraposta por seu avesso em progressão alegórica e quando isso acontece é que a peça cria instâncias inacabadas como um salto no abismo. Assim, as asas elaboradas por Pedro Alcântara – modulação entre objeto cenográfico e indumentário, raras vezes visto com tamanha clareza de condição – não servem para voar, na medida em que a força da cadeira de rodas, na qual os personagens parecem cimentados, prevalece como um incômodo semelhante às pequenas disparidades da vida que ganham dimensões de verdade. A imagem problematiza a investida do sentido angélico dos personagens, mas os esculpe em um paradigma ondulante que as falas iniciais projetam com força de suspeição. Se há suspeita, ela existe por essa conjunção que insere os espectadores em um limbo semelhante ao dos personagens presos em suas cadeiras refletindo a condição dos primeiros.

Aqui transparece o trabalho técnico dos atores que o diretor denomina de “Ator em Repouso” e que foi operado conjuntamente com a co-direção de Joana Levi. De um modo sucinto pode-se dizer que se trata de uma pesquisa atorial que investiga os impulsos corporais que são as bases das manifestações psíquicas. O ator, externamente, é o menos possível e sua força de ação é, por assim dizer interna, na medida em que interno e externo ficam mimetizados assim como os paradigmas sujeito e objeto. O que resta de movimentação para os atores está na potência do olhar, o que sobredetermina sua condição de espectadores (RANCIÈRE, 2008), somente interferida pelos pequenos movimentos espasmódicos que executam e a coreografia de Mudras ao final. Os atores Priscilla Carvalho e Leonardo Ventura faturam essa técnica com dedicação, porém, em Ventura ela ganha fisionomias precisas por meio de um registro de interpretação que se lança no mínimo e de uma limpeza vocal que constrói imagens psíquicas pelo princípio alegórico. Seu trabalho investe no melhor sentido do que chamamos presença, algo absolutamente tangível que, ao mesmo tempo, nos remete ao infinito.

O Primeiro Dia Depois de Tudo formaliza alguns bons sinais de caminhos quando promove a ativação dos atores e dos espectadores pela sobre-determinação de alusões e menos quando resolve a coesão por meio do drama. A coreografia de Mudras instiga por que é um enigma, os personagens provocam nossa imaginação quando são impróprios ou desconhecidos, os fragmentos musicais ressoam porque estamos no blackout, os atores têm força de ação por meio da imobilidade.

Referências Bibliográficas:

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

CÍCERO, João. Benjamin e Agamben – a história como um enigma indecifrável. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2008.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Ed. 34, 2005.

RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução de Daniele Avila in Questão de Crítica, 2008.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Conversa com um Amigo no Facebook

Eu
Fala, Amigo.

16:41 Amigo
Cara, todo mundo que tinha combinado comigo de ir na sua peça hoje à noite está desmarcando. Ninguém se compromete com o que combina. As pessoas mostram a própria mediocridade e a falta de coragem de mudar os hábitos de um jeito descarado!

16:42 Eu
Puxa, que pena.

16:42 Amigo
Mas, eu combinei, então EU vou.

16:43 Eu
Eu gosto quando alguém vem. Sua presença é um presente.

16:43 Amigo
As pessoas nunca estão comprometidas. Isso tem a ver com o que você escreveu sobre compaixão. Isso tem relação com tudo na vida. Ninguém quer se comprometer nos relacionamentos, no amor, no trabalho. É muito desanimador.

16:44 Eu
Bem, os que me interessam são os que se comprometem e honram seus compromissos, como você, por exemplo.

16:44 Amigo
Ninguém tem palavra. Mas você vive de outro jeito, isso é raro. Ir ao teatro é uma busca.

16:45 Eu
É verdade. Concordo com você. Muitos dizem as coisas por dizer, no calor do momento. Muito do que a maioria diz pode ser considerado apenas um espirro. O que eu falo e prometo é sempre um contrato. E também concordo que ir ao teatro é uma busca, principalmente quando se vai ao teatro procurando algo mais do que apenas ver os artistas que aprecem na televisão.

16:45 Amigo
Precisa ter coragem pra sair do quentinho do sofá e contribuir com algo relevante em vez de ficar amortecido assistindo Passione.

16:46 Eu
Te admiro por pensar assim. Posso publicar nosso diálogo no blog? Acho isso que você está dizendo fundamental pra uma reflexão.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Reconciliar

Foto de Heloisa Bortz.

Escrever é cortar, meus companheiros de solidão artística. Quem sabe do ofício, sabe que é assim. Escrevemos demais, tanto quanto falamos demais. O fluxo vem como se preciso fosse explicar muito, o que sem palavras se diria melhor. O corte é prazeroso, porque propicia o espaço, o silêncio criativo, a poesia quieta. Nada precisa de tanto.

Intuo que mais ainda do que a união é a reconciliação que faz de uma junção afetiva um matrimônio. O novo concílio, o novo perdão. O que é compaixão? É o passar junto por. Atravessar os problemas, os dias, a vida: travessia que se pode fazer de mãos dadas, ou de almas entrelaçadas, em harmonia, em congraça. Esquecer uma desavença é reescrever uma abertura: corte de excessos. Bonito é o ato de fazer as pazes. Tem dias que a relação com o outro pode ser uma reconciliação consigo mesmo.

Um dia as coisas não se encaixam mais e de repente nossos sentimentos já estão nas caixas perto da porta de saída, esperando o caminhão da mudança. Precisamos mudar.

Cada vez mais eu sinto que amar é esvaziar o apartamento, desocupar. Talvez amar seja não amar. Enxugar-se é estar cada vez mais presente.

Corto minha peça como quem se reconcilia consigo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Espanto nos Olhos do Macaco

No topo de uma árvore tão alta que a imaginação humana só alcança através de um sonho helicóptero, lá estava ele, comendo uma fruta e contemplando a vida de uma altura íntima, conhecida sua, outras vezes visitada: um habitat. Seus olhos já não seguem todos os barulhos que a selva produz, muitos deles, ele já conhece e sabe aonde vão dar. Uma combinação sonora aqui outra ali, uma coincidência de grilos inusitada, uma mosca em dueto com uma rã, fazem com que ele de vez em quando perscrute com um leve mexer de cabeça. Nada tão surpreendente assim, só um pequeno suspiro que esse galho e aquele podem trazer, mas não muito diferente de outro e outro e daquela ou dessa árvore. É tudo muito alto e quieto e morder a fruta é um prazer necessário e silvestre. Ele é ele comendo depois de procurar comida e ser-se é algo que não se questiona. Ele sente fome, ele procura comida, ele come. Há outros como ele, mas ele é alguma coisa dentro dele que é e sempre é como é. Os outros são inquestionáveis, são quentes, são rápidos, são peludos, são cheirosos, são conhecidos e andam perto dele, mas não são ele com sua fome e desejo de fruta na mão e na boca. Os outros comem fruta, ele come fruta. O sol está morrendo entre as nuvens e ele não se admira e nem acha isso bonito ou feio ou interessante. Ele olha para o horizonte porque ele come fruta no topo. De repente ele é o terror de ser ele. O susto e a incompreensão disparam seu tempo interior. Ele é a perplexidade de ser ele agora indo, corpo agarrado, já além do que parecia ser o cume. Ele é a insegurança e o pavor de ser ele. Em sua nuca algo pontiagudo o comprime e fura. Ele é a dor de ser ele, saltando muito a cima do que jamais quis: arrastado pelo céu, ele é a impotência de ser ele.

A morte chegou águia quando ele era ele.

sábado, 25 de setembro de 2010

O Incógnito

por Joana Levi

Hoje assistindo a apresentação de “O primeiro de dia depois de tudo” tive uma experiência rara no meu percurso artístico. Pude ver num trabalho em que colaborei na construção, um outro desconhecido. Como se o espetáculo, tomando vida própria, se revelasse dizendo a que veio, fazendo entrever sua face oculta, seu fulcro, sua nebulosa. Logo nos primeiros dez minutos uma palavra me surgiu na mente, como um letreiro luminoso: Incógnito! Como se a ação chave do espetáculo fosse a tentativa perplexa desses personagens, Roberto e Beatriz, de tatear sentido para algo indizível. Eles falam sem parar como que desconstruindo a linguagem. O mistério que tanto buscávamos nos ensaios se fez presente.

O incógnito é algo que insiste em não se revelar, em não se deixar explicar, descrever. Pode ser apenas rodeado. A fala, a cognição não o contém. Os atores têm a tarefa hercúlea de manter vivo e se relacionar com este buraco negro dentro do qual os personagens estão mergulhados. Nessa busca incessante cada frase é “re-significada” e “des-significada”. Cada palavra é significante. Toda afirmação e toda exclamação surgem de uma interrogação que não se cala.

Por outro lado, isso tudo estava lá desde o começo, no texto e na concepção inicial, mas hoje deixou de ser conceito, tornou-se vivente.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Apartamentos

Foto de Heloísa Bortz.

Fade in. Milhares de prédios estão explodindo. A câmera vai se aproximando de um prédio no meio dos estouros. Foco. Todos os prédios e construções ao redor estão em ruínas. Menos um. Ele explode. Mas, um andar, o oitavo, permanece intacto, flutuando. Uma das paredes desmorona e na beira do precipício flutuante vemos um homem e uma mulher. Estão sentados em cadeiras de rodas. De suas costas enormes asas rompem o espaço e pendem no abismo. Há uma profunda tristeza em seus olhos. No horizonte cinzento um crepúsculo de chumbo. Todo coração é uma guerra. Mesmo assim, há quem não sinta a investida da destruição. As asas não aparecem no espelho, precisam ser intuídas. Roberto Alighieri, Beatriz Gruoch. O que são?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Por um mundo de verdade

Foto de Heloisa Bortz.

Há duas semanas estive na sala Vitrine do Teatro Imprensa para assistir a nova peça de Léo Lama (autor e diretor), com Leonardo Ventura e minha amiga Priscilla Carvalho. Quando terminou tive a sensação de ter visto algo distante do que conheci quando comecei fazer teatro, algo sério, inebriante, encantador. O enredo me encantou. É muito simples dizer que um texto é bom, esse é melhor, é "thought-provoking". A encenação tem um ator clássico, técnico, excelente em cena e uma atriz entregue ao trabalho, realizando como se a personagem estivesse viva e morta ali. A trilha sonora inicial é ótima e perturbadora, o desenrolar às vezes tira o fôlego e o resultado é algo fantástico, não o show da vida, nada plástico, mas para se pensar e aguardar seu final.

Por Alexandre Santucci, psicólogo; especialista em Marketing; ator pós-graduado em Artes Cênicas – Teatro. Profissional do ramo da Eno-Gastronomia,criador do "Descomplicando o Vinho"(http://santucci.blogspot.com), além de professor universitário. Espectador Essencial.

domingo, 19 de setembro de 2010

Ética e Mediocridade

Tenho refletido sobre o fazer artístico, meus companheiros de solidão artística. Talvez, hoje, depois de tudo que já foi dito e feito e depois de um profundo reducionismo de valores e virtudes, pouca referência se tenha sobre o que é Ético, ou seja, sobre o que é uma postura digna de um ser humano e no caso da Arte, de um artista. A peça “O Primeiro Dia Depois de Tudo”, que foi escrita quando eu tinha 24 anos e atualizada agora, fala um pouco desse “tudo” e desse primeiro dia que deve surgir sempre em cada um de nós, como um dever de renovar, de buscar de novo o positivo, os valores, a criação, a harmonia. Estamos cercados pela mediocridade e detectá-la e superá-la é também um dever. Não é fácil, ela é imperiosa e aliada à ignorância mais forte fica. Porém, tal estado não é invencível. Vencer o mediano é ser Si mesmo, porque o médio vem justamente daquilo que quer te igualar a um padrão e matar sua singularidade. Já que a sociedade de consumo não pode dar conta do cada um, precisa formar massas homogenias, pensamentos reduzidos, turbas que querem e desejam as mesmas coisas. É daí que surge uma praga que infesta a arte que alguns fazem, baseada naquilo que o público quer ver. Alguns “iluminados” pensam e falam pelos espectadores e, diga-se, muitos merecem esses que falam e pensam por eles, e produzem “aquilo que o público quer ver”. Porque se o gado não pensa, fala e se rebela, vai mansamente para o matadouro.

Recentemente aconteceu comigo uma das experiências mais desoladoras da minha vida no teatro. Em montagem da minha peça “Dores de Amores”, vi a mediocridade se instalar em cada uma das minhas aspirações. Durante os ensaios vi os participantes do projeto ignorarem e cortarem tudo que dizia respeito à minha busca espiritual, todos os símbolos que coloquei em minha pecinha foram reduzidos a maneirismos e psicologias de acordo com o parco alcance dos atores, que não acreditavam “nisso”. Na época eu estava querendo ser um homem flexível e fui deixando que se apropriassem, coisa que jamais farei outra vez. Aprendi. Preciso defender o que não é meu e eu devo ser guardião, o que é um valor e não aquilo que eu acredito. Não são nossas tolas crenças que nos definem e sim as Virtudes que nos servem de modelo. Preciso defender a Ética e a Justiça e não a minha personalidade e minha vaidade. A montagem de Dores de Amores de 2009 envergonhou meu espírito desde o primeiro dia que assisti e subi ao palco constrangido para agradecer. Na época, eu estava exercitando a capacidade de aceitar, de deixar meu ego quieto, de ouvir a opinião dos outros. Mas, confundi as coisas. Uma coisa é ser flexível, outra é abrir as pernas. Eu sempre fui muito rígido e impositivo, um mandão, por isso estava aceitando tudo calado. Quase morri. Pela Ética não se deixa de lutar. Depois de um tempo fui de novo assistir a montagem e o texto estava bastante adulterado, os atores tinham escrito falas inteiras que jamais teriam sido escritas por mim, falas canhestras, escritas para agradar a um público que quer o riso fácil, a burrice, as piadas vulgares, o entretenimento barato. Pronúncias da mediocridade, condizentes com uma interpretação maneirista, estereotipada, histérica, acordadas com os atores daquele circo de horrores. Mas, não sendo o bastante, o final da peça tinha sido mudado, adulterado, invertendo todo o sentido proposto pelo autor. Tudo isso sem a minha autorização, em uma prova cabal de desrespeito e falta de dignidade e de um crime hediondo contra direitos autorais. O que fiz? Nada. Escrevi um e-mail de desagravo aos produtores, também atores, que não me responderam, como é peculiar aos covardes. Sumiram (embora ainda apareçam em público, praticando o mesmo tipo de arte medíocre). Nunca me pediram perdão, nunca reconheceram o crime. Não é a cara dos nossos tempos? Tenho certeza que pensam que o que fizeram é normal. Poderia processar, poderia ter partido pra agressão física, poderia ter feito um escândalo. Estava fraco na época, irreconhecível. Jamais agirei assim novamente. Aprendi. O que posso fazer? O que tenho feito. Tenho contado essa história em todos os lugares que vou, públicos e privados, para que sirva de alerta para quem pensar em trabalhar com essas pessoas que não quero nomear aqui, mas que são bois nomeados (que se procure no Google). Sigo o ensinamento dos meus pais, que diziam que ser conivente com os criminosos é expor os inocentes à maldade.

A arte é a simbolização lúdica da vida e não a imitação desta. E está na capacidade do espectador a possibilidade de leitura simbólica. Só mesmo a mediocridade pode desejar que, por exemplo, uma asa de anjo em um palco de teatro não seja feita de penas de aves ou plumas compradas na 25 de março. Fazer arte é transformar, resignificar as formas. Mas, cada um vê o que está dentro de si. A galinha vê a galinha. O homem digno encontra a Ética.

Quadro de Mira Schendel, artista espiritual.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Grande Obra

Foto de Lenise Pinheiro

Nosso espetáculo é uma das experiências mais loucas que já tive no teatro. Parece ser um caleidoscópio. Cada um acha uma coisa, cada hora sai de um jeito, nunca parece a mesma peça, nunca diz a mesma coisa. Uma hora parece que é para jovens, mas os mais velhos em certos dias se emocionam, as respostas se misturam. Hora está técnico, frio como um alemão comendo salsicha em Veneza. Certas vezes derrapa no dramalhão mexicano. Erro. Como convencer cada um que vai assistir que não é aquilo que viu o que queremos. Cada um se apropria do que viu. Responde, interage. O que queremos? Quero buscar uma transcendência, exijo isso dos atores, que já fazem demais e se esforçam para cumprir. Como atingir o não-esforço, o não-agir, o Tao? É uma busca árdua. É um lugar novo. É tudo dentro. Tudo nos desmascara. O Ator em Repouso revela as precisões e as carências. Expõe.

Mas o ator deve ser um bruxo, um mago. Alguém que direciona as energias. Alguém que não está subserviente nem aos próprios humores, nem aos humores da platéia. Alguém que conduz as energias dentro do ritual proposto. Alguém que atravessa as agruras, alguém que retém as negatividades da platéia e as devolve, de alquímica forma, expurgadas. Tudo se resume em uma única palavra: trabalho.

Quem não tem o compromisso com se aprimorar no que faz, não fará nada com compromisso. Para isso lutamos e a função da arte é justamente gerar a necessidade em cada um, quem realiza e quem contempla, de ter a Grande Obra em si.