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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Purgatório

Foto de heloísa Bortz.

A escuridão nos obriga a aguçar os ouvidos e prestar atenção no ansioso zap da rádio que passa por músicas de diversos gêneros e épocas, sem parar por muito tempo em nenhuma, numa busca incessante da música certa, da sintonia. Acendem-se as luzes e o prenúncio musical se revela através dos atores presos em cadeiras de rodas, presos em asas, presos no limbo, presos em culpas. Flashes de passado e futuro se alternam com o presente, confundem o público entre o real e a fantasia, mas isso não importa, pelo contrário, realça a percepção do que é a própria vida, do que é a experiência humana do amor entre casais.

Roberto Aligheri e Beatriz, explícita referência ao momento do purgatório na obra de Dante, vivem em cena a busca pela sintonia unicamente pelo canal verbal. A possibilidade do contato físico, que muitas vezes pode resolver, ou piorar os conflitos, inexiste, assim como a presença de outras pessoas: apesar de evocadas, não têm como opinar. Roberto, o Beto, um músico que assim como é incapaz de mostrar suas músicas, também não mostra seus sentimentos. Está ali em uma missão, ajudar Beatriz, mas com o desenrolar do espetáculo percebemos que é Beatriz quem o ajuda, a mulher provedora, que devagar vai despertando o latente Luciano que vive em Roberto. A difícil comunicação entre os mundos dos amantes, o que podia ser dito, mas não foi, as interpretações errôneas, traições, picuinhas, o aborto. As situações não resolvidas, a lenta consciência das mesmas e a dificuldade que o ser humano encontra em ser apenas humano, não anjo, trazem o peso intransponível da culpa.

Não saí tranqüila. A liberação das personagens, das asas e da cadeira de rodas, talvez por serem espíritos, não me trouxe paz. A música do final, que agora não me lembro bem da letra, dizia algo como às vezes é melhor deixar morrer. Mas tive a impressão que terminaram talvez mais confortáveis, por perceberem não ter a obrigação de serem anjos, e portanto, livres das culpas. O texto é excelente, e os atores também! Tive insônia naquele dia, sinal de que mexeu.

Elisabet Just, cantora, espectadora essencial.

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