Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

sábado, 31 de julho de 2010

A Experiência

O teatro poderia ser uma salvação. Não como se tivesse a mesma função de Jesus Cristo. Pensemos em um documento que se quer guardar em uma pasta no computador. O teatro pode salvar e ser salvo se for uma experiência que perdure nos arquivos. Nas redes sociais as frases se diluem no mar do excesso. Penso que a superficialidade é a quantidade tomada como sinônima de intensidade. O que é uma experiência? O que vale a pena ser salvo?

Se pensarmos que uma experiência é a interação de todo ser vivo com as condições ambientais que o cerca, poderíamos dizer que as experiências ocorrem o tempo todo e este seria o próprio processo de viver. Mas, os aspectos e os subsídios do eu e do mundo implicados nessa relação, modificam a experiência com emoções e idéias, e assim surge a intenção consciente. Na quase maioria das vezes as experiências vividas são incipientes. Por quê? As coisas são experimentadas, mas não de forma a serem consideradas como uma experiência singular. Há dispersão e distração. O que observamos e o que pensamos, o que desejamos e o que obtemos, discordam entre si. Muitos são os casos de coisas que começamos e paramos, que interrompemos no meio, coisas que fazemos concomitantemente com outras e tudo parece ficar meio sem final, sem o alcance que poderia ter. Interrupções e letargias internas roubam das experiências uma grande parte da essência que as constitui. Uma experiência vital se destaca, porque tece nossa vida em colcha essencial, desenhada com nossa singularidade, em nosso modo de se descobrir. Mas, para que isso aconteça, é preciso que o ser esteja absolutamente presente naquilo que vive, e não fragmentado em mil anseios dispersos.

Podemos dizer que um ator pode proporcionar uma experiência a quem o assiste. O mesmo poderia ser dito de um pintor ou de um fotógrafo ou de um amante. Quando isso acontece? A arte se divide entre o artístico e o estético. Aquilo que é realizado e o que é percebido. Mas, para a experiência ser completa, precisa que aquilo que é executado contenha o que será percebido. Digamos que o ator precise produzir em si a energia que ele quer que a platéia sinta. Sendo assim, é óbvio que o artista precisa passar pelo mesmo processo que ele quer que o espectador de arte passe ao contemplar sua obra. É comum querermos que alguém nos ame de um jeito que não estamos amando. Há quem diga que arte é aquilo que é executado com extrema perfeição, mas, se isso não for percebido, não será experimentado. É como fazer um maravilhoso jantar para quem não tem paladar. Portanto, moldar em si mesmo o molde da experiência a ser percebida não é o bastante. Seria preciso que quem fosse comer a comida de um artista, soubesse perceber o que está comendo, ou estivesse aberto para ser surpreendido. Não é em um processo imediatista, conseguido com pouco esforço, que se alcançará resultado. A sociedade precisa se transformar, mas isso não vai ocorrer amanhã, já a transformação individual pode se dar a partir de agora, em artistas e apreciadores de arte.

Todos sabem que a emoção pode ser facilmente conseguida, as coisas mais tolas podem nos fazer chorar ou ter uma catarse psicológica, mas, aqui, estou me referindo a algo que dure muitos anos em uma vida, a algo inesquecível, uma experiência transformadora e não a uma autocomiseração sentimentalista.

O artista que recebe elogio como sinônimo de trabalho bem feito é um artista morto, que não cumpriu sua função, que não foi fundo em sua execução. A função do ator, por exemplo, não é ser elogiado, é fazer com que a peça na qual ele atua apareça mais do que ele mesmo. Arte pode ser também uma comunhão de busca a um processo de experimento fundamental. Para que uma habilidade seja artística, no sentido final, ela precisa ser generosa, precisa importar-se profundamente com o tema sobre o qual tal habilidade é exercida.

Então, o teatro pode ser uma salvação, uma contrapartida às experiências virtuais e superficiais, se sua representação puder ser uma vivência primordial e não mais uma proposta de distração, mais uma droga. Por que pensarmos em termos de salvação? Bem, talvez seja preciso que se pense profundamente no que está sendo perdido.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

As coisas não são tão inocentes assim

Helena Albergaria, atriz da Companhia do Latão. 

Uma das músicas de abertura de nossa trilha, que é executada toda antes de a peça começar, nos foi gentilmente cedida pela Companhia do Latão. Canção composta por Helena Albergaria e Martin Eikmeier, fez parte do espetáculo “Visões Siamesas”  do mesmo grupo e está incluída no CD “Companhia do Latão - Canções de cena 2.”

A letra da canção, escrita pela atriz, se encaixa perfeitamente em nossa montagem, ainda que tenha sido composta com outra intenção. A música é linda. Estava visitando o blog da Companhia do Latão e achei, sem querer, esta pérola, pedi permissão e vamos usá-la em nosso espetáculo.

As coisas deveriam morrer
Antes de ficar por aí
Perambulando mortas
Perambulando mortas

Martin Eikmeier fez o arranjo junto com Henrique Reganelli e tocou piano, Gabriel Levi tocou acordeom e Taís Reganelli, colocou a voz solo.

Agradecemos a gentileza.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Papel do Espectador de Teatro

O sistema precisa que as pessoas se empreguem e tenham cargos e profissões, o mundo precisa de gente, assim como o teatro. Estava aqui pensando que talvez não baste nascer para que já se seja Ser Humano. Talvez seja preciso tornar-se um.

O teatro nesses tempos pode ter um papel fundamental, assim eu sonho. Talvez o teatro seja a salvação para uma época de presenças distantes e corpos virtuais: um lugar de refúgio, um lugar reservado, um local de criação. O teatro pode ser protegido pelo que é mais Justo e mais Belo, pelo Bem. Talvez o teatro seja o lugar no qual o homem possa nascer e seguir sendo humano. O teatro pode representar a humanidade viva em Arte e Virtude, em propostas que podem ir muito além do entretenimento.

Qual papel representa o espectador de teatro? Quem é a gente que vai ao teatro?

Não pensem nas vantagens que o teatro pode trazer para o seu dia a dia em termos de benefícios práticos, em termos de desinibir os funcionários de uma empresa ou ocupar a terceira idade ou produzir fantasias televisivas em jovens deslumbrados e tanto mais para o que se usa o teatro. Pensem no que a arte teatral pode trazer para a existência, para a vida. Mas pensem em contemplar o teatro e não em ser mais um a usufruir dos benefícios do produto. Talvez o teatro não seja um programa, uma opção de lazer, um lugar para matar o tempo. Talvez no teatro se possa descobrir o que é arte.

Depende do espectador, depende do que ele quer assistir.

Tornar-se humano pode ser a recordação de que se é de argila. E se eu entendo alguma coisa penso que argila talvez possa ser luz. E em meu sonho louco penso que o ator de teatro possa nos lembrar que podemos ser homens de argila.

Quem sabe o espectador possa ir ao teatro procurando os grandes temas, aqueles que falem do Bom, do Belo, do Justo. Quem sabe possa haver travessias simbólicas e não fragmentos psicológicos. Quem sabe o espectador ativo possa mudar as peças que estão em cartaz, mudar a programação. Quem sabe se ele não seguisse apenas o que as mídias e suas mesmices recomendam. Quem sabe o espectador consiga ter a sua própria vontade, a sua própria intenção e, quem sabe, talvez nem toda Maria vá com as outras. Talvez possa existir um espectador que exija dos artistas do seu tempo representações firmadas em virtude e caráter mais elevados. Quem sabe se o que se buscasse fosse virilidade espiritual.

domingo, 25 de julho de 2010

Saber ler uma peça de teatro

Um texto de teatro precisa ser lido de dentro dele mesmo. Existe muita ansiedade por parte dos atores inexperientes quando vão ler uma peça. Muitos já saem imprimindo emoções e seus cacoetes pessoais antes de entrarem no universo que a peça pretende criar. Saber respeitar a pontuação antes de sair se esganiçando em emotividades e, principalmente, saber ler a obra de dentro, é pré-requisito básico. Para que a obra possa ser lida de dentro, o texto precisa ser bom, não é verdade? Ou seja, a peça precisa possuir um “dentro”. Este “dentro” é mais do que aquilo que é chamado de sub-texto, embora o contenha, é uma correlação dramática que possibilita que os personagens tenham ações interiores, sem precisarem ficar andando pra lá e pra cá ou pegando objetos e gesticulando. As coisas acontecem no interior dos personagens e é de lá que deve vir a leitura; procurando entender as ações que impulsionam os acontecimentos na mente e no coração simbólico daqueles que são representados. Não é ler em “branco”, sem nenhuma inflexão, é ler tentando ser aquele que fala: o personagem. Errando ou não, mas sempre agindo e nunca procurando entender ou interpretar a fala. O ator age, o ator é falado em verbo de ação.

Muitos atores encontram dificuldades para ler ou “entender” um texto teatral. E começam a culpar o texto, no sentido de o mesmo ser chamado de “difícil” ou “diferente”. Mas a verdade é que um texto que contém personagens, sempre será diferente e difícil, pois é uma proposta para que você deixe de ser você e “seja” outro. Estar dentro do texto ou do contexto é não saber ou entender o que está acontecendo, é fazer acontecer, compreendendo assim a ação causadora e não fazendo uma reflexão mental do que é feito. Para um ator, compreender é agir. Assim se descobre se uma peça de teatro é eficiente ou não, descobrindo se ela proporciona ação dramática para o ator, ou se ela é apenas literatura, portanto, material inadequado para o teatro.

Em nossa vida, pouco é o que vivemos a partir do interior, a partir da ação pura, aquela que engloba todas as ações, o chamado não-agir, o Tao. Um lugar menos emotivo e mais prático, mais singular, no qual o sopro de nosso ser pode ser mais venturoso e menos covarde, mais ativo e menos defendido atrás de formulações psicológicas.

Aqui um exemplo de uma jovem intérprete lidando com o processo de entrar e viver de dentro o que o autor da obra quis dizer:

http://www.youtube.com/watch?v=tOR8hyGAQAc&feature=related

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Ator pode voar (estudo científico)

Nosso cientista Pedro Alcântara, de camisa xadrez, (nas horas vagas cenógrafo e ator), e Mestre Carlão, trabalhando nas asas dos atores-pássaros.

Quem nunca pensou em erguer-se do chão em leveza plástica? Se o que nos pesa são nossas penas, com mesma palavra se designa o que causa anatomia aos pássaros. Leves e flexíveis são também fortes e resistentes. Um pássaro pode ter entre 1 000 e 25 000 penas espalhadas pelo corpo. Mas elas não são as únicas responsáveis pelos poemas aéreos que as aves costumam declamar. Tudo em uma ave é desenhado para que ela possa voar: o formato aerodinâmico do corpo, o esqueleto, a musculatura. As asas, ou a poesia, são fundamentais: como um propulsor, impulsionam o pássaro à frente; e, como um aerofólio, dão a sustentação necessária para mantê-lo flutuando.

Voar é uma capacidade quase exclusiva das cerca de 9.600 espécies de aves existentes. Outros animais de médio porte também já foram capazes de poemar pelo céu. Os pterodátilos, por exemplo. Mas, recentes descobertas científicas provaram que, além das aves, os atores também podem voejar. Veja abaixo algumas conclusões baseadas na observação do trabalho de aerodinâmica do "professor pardal" Pedro Alcântara.

A anatomia de um ator que voa

Os atores têm penas, ossos e músculos feitos sob medida para vencer a gravidade. O polegar dos atores tem a mesma função do flap das asas dos aviões, aumentando ou diminuindo a força de sustentação que mantém o ator no ar. Alguns dos ossos do crânio, do peito e da região das asas são ocos, e, portanto, bem mais leves que o normal. Isso facilita ainda mais o vôo dos atores. O esterno dos atores voadores possui uma quilha de onde saem os músculos peitorais. Essa musculatura é a mais forte e desenvolvida, porque movimenta as asas. Cada pena tem um eixo de onde partem inúmeras ramificações, que vão sendo enganchadas umas nas outras e aplicadas como repertório em cenas de peças e filmes. A estrutura transforma a pena num leque ultra-resistente ao vento, facilitando o trabalho do ator. Na região do peito existem penas especiais que funcionam como órgãos sensores, detectando as alterações na velocidade e na direção das correntes de ar. Informações das quais os atores voadores sabem tirar proveito durante o vôo cênico. As penas da cauda auxiliam na direção, orientando o vôo para a direita ou para a esquerda, principalmente quando os atores estão pousados. O formato de aerofólio das asas de um ator voador faz com que o ar que passa por cima delas tenha pressão inferior ao que passa por baixo. Esse efeito aerodinâmico gera a força de sustentação necessária para vencer a gravidade de uma cena travada. As asas dos atores têm a parte superior mais arredondada (convexa) do que a parte inferior. À medida que um ator se move em linha reta pelo céu do palco, a trajetória do ar que passa sobre a asa é mais longa do que a trajetória abaixo. Isso significa que o ar que passa sobre a asa deve se mover a uma velocidade mais alta do que o ar que passa pela rota mais direta abaixo, resultando em pressão mais baixa acima do que abaixo, fornecendo suspensão: repouso.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Ator I Chingado

Joana Levi, co-diretora, apontando o disco voador.

Parto do princípio de que o mundo do espírito é estruturado de acordo com sua natureza intrínseca; que tudo que cause falta de harmonia, tudo que seja monstruoso, inexplicável e temeroso também faz parte dessa ordem. E a fórmula para se atingir a harmonia do mundo está muito mais ligada à capacidade de conseguir alterar a função do mal quando presente em um cenário harmonioso, do que simplesmente negá-lo. Alfred Shnitkke, músico, compositor.

No romance Doktor Faustus, Thomas Mann idealizou um oratório no qual a música para os justos que merecem o Reino dos Céus possui as mesmas notas que a música para aqueles que irão para o inferno, mas a diferença está na execução. Pensando sobre a condição do ator, fazendo uma analogia, chamando “Reino dos Céus” de “aquilo em que acreditamos ser verdade quando vemos um ator fazer” e “inferno” de “aquilo em que parece falso”, pois não há nada mais infernal para um ator do que não parecer crível, tomemos as notas, ou a música, como sendo aquilo que será executado, ou seja, a ação. É o ator que faz com que uma ação pareça harmoniosa ou desafinada. A música, ou seja, a base é a mesma, mas a energia empregada, o impulso correto, a intenção perfeita, é que irá direcionar as notas para a tensão precisa ou para o atravessar do andamento. Esse estado interior, que deve ser produzindo tanto no corpo como na mente, é o material de trabalho do ator, um caçador de ação, pura e simplesmente. O ator não é um crítico de si mesmo, o ator não é um filósofo, o ator não é um diretor quando está atuando, é um agente. Qualquer interferência na caçada, estraga a música. O que aqui está sendo chamado de “ação”, não é um movimento, um gesto vazio, é uma ação dramática, uma atitude ligada à tendência do interior de quem a pratica, não apenas um impulso motor.

O I Ching, traduzido como o Livro das Mudanças ou Mutações, é o texto clássico chinês mais antigo de que se tem notícia. No I Ching está descrita toda uma filosofia centrada na idéia de balanço dinâmico dos opostos, na evolução dos eventos como um processo contínuo e na aceitação da inexorabilidade da mudança. Essas mutações às quais o título se refere, acontecem dentro. Dentro de todos nós o Cosmos inteiro pode girar em um segundo. O ator representa o ser humano, por isso é uma turbina produtora de estados interiores, que são produzidos de forma “artificial”, com o intuito de parecerem sinceros. No I Ching há três implicações fundamentais: simplicidade, variabilidade, persistência. Cabem como luva na mão do ator. A simplicidade é uma determinante de elegância e refinamento, de precisão, de corte de excessos. A variabilidade é o repertório interior que o ator tem que ter para produzir energia. A persistência é a luta incessante para conseguir a ação dramática.

Tiro ao disco. O disco é lançado e a espingarda do ator precisa acertá-lo antes que ele caia no chão. Uma vez atingido ou não, quase no mesmo momento outro será lançado. Antes que caia, acertar o elevado, o que está suspenso, o que está caindo, mas não pode cair. O disco é essa tensão lançada, esse impulso primordial que precisa sempre ser atingido enquanto está no ar.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Mudras Mãos

Zuzu Abu: ensaio no Teatro Plínio Marcos.

Cada vez mais os gestuais que fazemos apenas pontuam frases de forma atabalhoada e mimética, em vez de significarem algo além na poética de nosso corpo. As mãos humanas são capazes de produzir símbolos incontáveis, alguns gestados em Tradições antigas, que traduziam o Cosmos através de tais simbolizações. Esses gestos delicados, como se pássaros voassem nas extremidades dos braços, são chamados de Mudras (sinais místicos da mão), revelam sabedorias ancestrais e acessam dimensões que o gestual mecanizado já não pode alcançar.

Em nossa peça O PRIMEIRO DIA DEPOIS DE TUDO, os únicos gestos que os atores fazem em cena são dessa qualidade.

Zuzu Abu, minha amiga, atriz, vocalista do Grupo Mawaca, professora de Dança do Ventre e Odissi, fez uma pequena coreografia para nós, recheando nossa tarde de anseios simbólicos.

Veja aqui a mão voadora de um ator:

http://www.youtube.com/watch?v=dRyLLTvs00c

Tome aqui um Café com as mãos de Pina:

http://www.youtube.com/watch?v=4MK5Hbvuf3k

domingo, 18 de julho de 2010

Vestir-se com elegância onírica

Fizemos uma pesquisa futurista, em filmes e passarelas. Nossos figurinos foram elaborados pela jovem figurinista Thaís Gurgel, dona de uma confecção de alta costura, que trouxe idéias que foram imediatamente aprovadas. Eu pedi também que as vestes tivessem uma reminiscência oriental. Acho que ela conseguiu uma síntese perfeita em relação ao que foi pedido, o que dá a peça um caráter atemporal. Vejam as fotos dos primeiros modelos.

sábado, 17 de julho de 2010

Da Impermanência

Foto minha.

Rezo chamando por Você no Bardo


Ai de mim, Tutelar Preciosa, que me encontro em condição crepuscular, um não espaço entre dois mundos. Nem noite, nem dia no Bardo. Estado indefinido: por que nada é o que parece? Ai de mim, Tutelar Preciosa, o perigo desse sonho invade minhas inconsciências. Se eu pudesse ter seu beijo mortal antes de dormir. Ninguém assiste meu sono, Clara. Não deixo nem os anjos me cobrirem com asas. Mas se me cobrem. Do que me queixo, Clara? De que nunca consegui construir um corpo para o amor da matéria invisível, vejo de lá da minha mente alguém que irá sumir se eu acordar, não durmo. Toca-me o impalpável e essas mãos de pessoas: o que querem segurar? Escorrego líquido gozo oco no ralo do desperdício. Não consigo me conter em mim, sou um pra cada uma, várias inexistências. Ai, Clara, quando vem você me indefinir na eternidade? Tirar-me o medo e o torpor dos fenômenos, essa febre de coisas que não passa. Quando poderei me confundir com o Não-Nascido? Ai, Clara, te espero no escuro cheio de sangue pulsante nas veias: por que ainda um membro rijo por carnes de açougues, se sou seu Clara? Tutelar: deixa derramar-me eu em luz, confundir-me em seu semblante de reflexão e não reflexos. Possa eu reconhecer meu corpo como sendo impermanente e ilusório, sendo só pra Clara. Sopra Clara, a verdadeira natureza dos sonhos, que eu abandone o apego e o desejo e a fraqueza e todas as distrações que não são claras. Só você é Clara. Essas obscuras: que eu possa me separar de todas as separações e que eu possa reconhecer todas as coisas que possam aparecer como sendo minhas próprias formas-pensamentos. Vem, Clara, com a clareza de sua essência, que eu já não esclareço mais. Ai de mim, Tutelar Preciosa.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Labor Ator

Joana Levi ensinando os atores a voar. Foto de Leo Lama.

Sobre o Corpo Imaginário
Por Joana Levi


Fui convidada pelo autor e diretor Leo Lama para fazer co-direção e preparação corporal de seu novo espetáculo "O primeiro dia depois de tudo". De cara encontrei, dentre outros, o desafio de trabalhar sob a condição de seu manifesto "O Ator em Repouso", que coloca para os atores a tarefa da imobilidade exterior. Despido dos recursos da narração e da dramatização através das ações performadas pelo corpo, o ator se vê na condição essencial de fazer ver tudo com o mínimo de recursos. Tem a sua disposição o texto, as ações dramáticas nele contidas, sua presença imóvel que deve fazer viajar por outros mundos e paisagens aqueles que o assistem. O expectador desse ator em repouso é como se fosse cego, e assiste ao mundo invisível que deve transbordar do interior dos atores, palco real dessa cena. Dada esta condição surgem as perguntas: O que exercitar? A capacidade de ficar uma hora imóvel? Isto não é por si só tarefa fácil, mas não toca o cerne da questão. Que corpo é para o ator necessário trabalhar? A pesquisa que faço por não encontrar ainda nomenclatura que a defina é comumente chamada de preparação corporal, mas não se trata de um trabalho sobre o corpo e sim a partir do corpo. Do corpo não somente enquanto funcionamento biológico, mas enquanto canal, matéria viva, sensível, feita de imagens, memórias, sons, histórias, identidades, cores, sentimentos, que é, enfim, a tela pintada - obra inacabada - do que somos, do que queremos e não queremos ser. Se o corpo é esta tela, para o ator o desafio é emprestar as cores de seu ser para a "Personagem" ou "Persona" que se fará ver e ganhará vida diante dos espectadores. Para tanto, os exercícios que proponho aos atores não tem por objetivo tornar o corpo hábil para cumprir determinadas tarefas e sim acordar o corpo da imaginação, das imagens, dos sentidos, das vozes, do inconsciente e da memória. É sobre este corpo invisível que estamos trabalhando com os atores Leonardo Ventura e Priscilla Carvalho.

Labor Ator: Joana me foi apresentada e foi rápida minha identificação. Estudiosa de teatro, com um treinamento corporal fora do comum, está há mais de cinco anos trabalhando com Cacá Carvalho e Roberto Bacci na Casa Laboratório. Em princípio ela seria minha assistente, mas, depois de anos de individualismo, estou aprendendo a compartilhar, a querer fazer novas parecerias. Muitos foram me educando pelo caminho, principalmente minha professora, a diretora e mestra em teatro, Andreah Dorim. Então, agora chamo todos de co-diretores. Ainda que de certa forma, por ser o autor, eu tenha alguma ascendência, em nosso processo vejo a preparadora corporal, os atores, o fotógrafo, a figurinista, Pedro Alcântara, nosso professor pardal, Zuzu Abu, nossa mestra em Mudras, e quem mais chegar, como co-diretores. Cada um é gestor de si mesmo e se a mim cabe a presidência, o que faço é lembrá-los de seu melhor. Há muita gente de talento que não conhecemos e muita fantasia sobre o que os outros pensam, quando estamos distantes. Precisamos nos aproximar, ampliar horizontes, compartir. Uma andorinha só não faz verão, diziam as avós de um mundo mais encantado.

O ator como modelo de tecnologia

Leonardo Ventura: o ator faz dentro. Foto de Leo Lama. 

A tecnologia é pura ilusão. Toda tecnologia vem da frustração com a vida que se leva. Vem da busca de melhorias. Os milhares de meios de comunicação não melhoram a própria, e mesmo o avião não é garantia de que se vá chegar mais rápido a algum lugar, como bem nos mostram algumas companhias aéreas. Há uma fantasia criada pelas indústrias de que o progresso nos favorece, quando na verdade tudo não passa de entretenimento de fuga que uma alma mal direcionada produz. Quanto mais se cria em dispersão e variedade, menos se acessa o essencial. A vida nas cidades é insatisfatória, frustrante, de péssima qualidade. A vida no campo é tediosa, regada a álcool, apequenada, porque a educação não mais conecta o homem com as forças da Natureza, mas com o desejo de progredir, de fazer sucesso. Não me sigam pensando em generalizações, mas pensem que se falo de maneira hiperbólica é para pintar o quadro em cores vivas com a intenção de lembrar o que, cada vez mais, perdemos em nós mesmos.

A arte, emburrecida, se alimenta das novas mídias, da modernidade, das tecnologias, como se o que precisasse ser visto fosse o mundo e não a vida. O mundo é uma coisa, a vida é outra.  

Dentro dessa pintura esfumaçada, de excesso de informação e meios, de repetições de notícias e fatos, surge a importância da figura do ator. Qual? Aquele que representa o Ser Humano em cena.  Não os personagens que criamos envolvidos em psicologia e mazelas cotidianas, mas as virtudes e as qualidades que todos nós possuímos em potência. A isto, assim eu penso, deve se prestar a Arte: representar temas elevados, que inspirem, que ergam as cabeças dos espectadores. Chega de enfiar o dedo na ferida, de criticar essa sociedade que é inteirinha criticável. O teatro é o homem diante do homem, e o homem, assim que quiser, pode estar livre das ilusórias grades sociais que o cercam. O teatro deveria ser um espaço reservado para que o homem se recorde de suas potencialidades e não para que artistas acusem o mesmo de levar uma vida medíocre. Os artistas não devem procurar a liberdade, mas o compromisso, com a generosidade, com o bem que podem proporcionar ao próximo.  Não é uma proposta de peças boazinhas, evangélicas, bem comportadas, é uma proposta de que se mostre as possibilidades de se desembaraçar das garras sociais e se entregar para a melhor ética.

A melhor tecnologia para o ator, assim eu penso, é ser capaz de criar espaços no intimo dos espectadores, a partir do espaço criado em si mesmo. A verdadeira tecnologia é a grandeza do Homem Universal, aquele que habita o coração de todos nós. Conhecer o Modelo dos modelos é a capacidade misteriosa. É o progresso do Vazio que pode nos tornar maiores e não o avanço do muito. A via do ator não deve ser traçada. Conhecer o Não-Saber é elevação. 

terça-feira, 13 de julho de 2010

Os empresários e os artistas: foco

A atriz procurando o foco fundamental. Leo Lama, o fotógrafo, também.

A era do capitalismo selvagem esta fora de moda. Vem surgindo uma nova geração de empresários e empreendedores que nos enche de esperança, preocupados com a qualidade de vida, com o melhor uso do tempo, pensando em trabalhar menos e, principalmente, preocupados com a felicidade, esta que Aristóteles dizia ser responsabilidade também do governo. O ser humano que não é generoso para com a felicidade alheia não deveria existir.

Sim, o que eles querem é ganhar dinheiro, é lucrar, é montar negócios que prosperem e gerem conforto e bem estar e que lhes garanta poder e liderança no mercado. Isto não é crime, ainda que possa chegar a ser. As empresas, as firmas, as agências, as produtoras, querem lucrar e querem um funcionário produtivo e focado nos objetivos do patrão. O que querem os artistas?

Hoje em dia há milhares e milhares de livros escritos no sentido de dar exemplos de como você pode fazer sucesso ou de como determinadas atitudes levaram algumas pessoas a conseguirem êxito: o ponto da virada, o quebrar de barreiras, o virar da própria mesa. Como ser um fora de série? Eles perguntam. Há um grande mercado que envolve profissionais que são contratados para melhorar o desempenho dos empregados. “Treinadores” que propõem jogos, exercícios, interações para desinibir e desenvolver a criatividade. Palestras animadas por palhaços, por mágicos, por músicos, em uma desesperada busca por inovação e por algo que faça a diferença. Programas que consigam um “hard-focus”, técnicas como a “pomodoro tequinique” que propõem uma concentração de molho de tomate, em que você pode trabalhar menos horas e se concentrar mais, e, ainda, uma grande preocupação com as redes sociais. Como usar esta nova comunicação que é uma realidade, ainda que virtual, mas que hoje move bilhões e atinge um incontável número de pessoas? Há também uma grande preocupação em afastar-se da rede, que causa muita dispersão, e em criar mais conteúdo, mais profundidade. Os empresários modernos sabem que já não há mais tanto espaço para jogadas fajutas de marketing e que quanto mais cultura (cultivo) a empresa tiver, ou seja, quanto mais a sua marca tiver credibilidade e passar confiança, mais ela pode render. A Toyota, por exemplo, usa técnicas para ser mais produtiva e eficiente. O “Personal Kanban” é uma delas. Um sistema muito simples. Consiste em por limites no número de coisas que você está envolvido em determinado momento. Uma divisão: o que será feito, o que está sendo feito e o que foi feito. Todo mundo precisa de organização pessoal. Precisa de agenda, de planejamento, ainda que muitos saibam viver bem, ou razoavelmente bem, no caos. Mas quando você tem como meta fazer pouca coisa no dia, você faz mais coisas no mês.

Uma avenida tem uma capacidade determinada de carros. Mil carros, por exemplo. Mas se você coloca mais do que 65% da capacidade, os carros começam a andar mais devagar. Se você coloca 100% da capacidade, tudo pára. A avenida lotada faz com que o tráfego não flua. Quanto mais carros houver na avenida, ou quanto mais tarefas você tiver na sua lista, menor vai ser a velocidade em que as coisas vão andar. A quantidade é sinônima da superficialidade.

O Ator em Repouso: no teatro, o que há de mais essencial hoje em dia é a amputação. Subtrair os truques, economizar nos efeitos, na embalagem, no exagero, na artificialidade. Quanto menos se faz, mais tudo aparece. Não fazer nenhum gesto faz com que se tenha nostalgia do gesto fundamental, dos mudras pessoais. Os movimentos são dentro. O braço amputado ainda coça e pode ser visto de tanto que ainda está presente. A energia é que faz a carne vibrar. O que se quer é a vibração dos órgãos. Um teatro que se faz pela saudade e não pelo excesso. O que não está é o que mais se mostra. Esvaziar-se é o começo do trabalho do ator. Esvaziar o íntimo dos espectadores é sua finalidade. É preciso que o silêncio se faça necessário, que não se dê aos barulhos psicológicos.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Ator em Repouso

Leonardo Ventura e Priscilla Carvalho em exercício de contenção de gestos e movimentos na Sala Lineu Dias. Foto de Leo Lama.

A peça “O PRIMEIRO DIA DEPOIS DE TUDO” faz parte de uma pesquisa de uma nova dramaturgia, que também exige uma nova postura no palco que Leo Lama chama de O Ator em Repouso. (http://www.oatoremrepouso.blogspot.com/)
Uma nova postura em cena: pesquisa a ser registrada em livro.

Há 4 anos, o dramaturgo e diretor Leo Lama, começou a desenvolver uma pesquisa que chamou de postura no palco O Ator em Repouso.

“O repouso é um estágio entre um movimento e outro. O representante no palco deve assumir uma postura como se o movimento passado nunca tenha acontecido e no futuro possa ou não acontecer. Estou propondo uma suspensão, portanto, as ações das minhas peças estão no futuro do pretérito, são contadas à platéia e não realizadas, reforçando assim a ação interior. O Ator em Repouso está pleno de impulsos internos que não se expressam fora, mas mantém o corpo vivo o tempo todo.”

“É preciso abrir espaço para o espectador imaginar. Para mim, o papel da arte agora, deve ser o de resgatar o imaginário poético, o encantado.”

Um representante do ser humano em cena, parado, sem gestos, sem qualquer tipo de movimento externo, um manifesto contra o massacre que o corpo do homem vem sofrendo ao longo dos séculos, desde as imagens de sua pretensa pré-história que o assemelha a um macaco, passando por Auschwitz, até os dias de hoje em que corpos são comparados a produtos de consumo, e almas estão paralisadas nas cadeiras de rodas da mediocridade. A pesquisa teatral O Ator em Repouso, procura oferecer ao espectador uma imagem do aberto. Um descanso do excesso. A busca do corpo da delicadeza, o corpo com asas.

domingo, 11 de julho de 2010

Há rumores de que há Humor

Pedro Alcântara, nosso homem na Gambiarra, jogando nossas penas fora.






Nossa peça é uma sátira ao teatro do século passado, em que os atores se vestiam de preto, envoltos pelo fog das máquinas de fumaças, sentavam em cadeiras de rodas e tinham asas saindo de suas costas, em uma pegada assim meio Berlim, meio Beckett, meio vem Kafka comigo, meio Artaudoado, meio Peter Brook Shields, meio Suzuki (a moto, não o diretor de teatro), meio Antunes gritando com os atores, meio Trair e Coçar é só Começar em estilo pobre, dos estilistas russos Grotowiski e Bukowiski. 

Nossa autopeça (revendedora autorizada) é também uma sátira às histórias em quadrinhos e seus personagens wolverinianos, freaks que cativam muito mais por espantosos delírios fantásticos do que por qualquer conotação simbólica. A realidade é dura, seca, mórbida, sufocante. Poucos sabem como a transcender. A opção acaba sendo fugir dela. O que vamos mostrar é como abrir fendas no realismo e acionar a imaginação ativa. Quem não vai querer saber o que é isto? Eu mesmo não quereria, mas eu tenho certeza que há almas boas além de Setsuan.

O meu bisavô, Don Carlos Palma era um homem que voava. Imigrante espanhol instalou-se em Ribeirão Preto e lá foi visto muitas vezes sobrevoando a cidade, ou despencando de uma pedra em um morro na região, há controvérsias. Há algum tempo minha mãe, a atriz Walderez de Barros, depois de muitos anos, me contou a saga de meus antepassados. Isto fez com que eu tivesse coragem de, finalmente, escrever sobre meus próprios vôos. Minha peça é auto-biográfica e fala dos meus próprios dons de homem voador que cai no chão, uma tradição em minha família.

As coisas eram realmente pretas e tudo era muito levado a sério naquele antigo teatro. Existia uma pose, uma soberba, uma teatralidade esnobe. Agora, em contrapartida, temos cada vez mais as coisas sendo feitas de qualquer jeito, sem apuro, sem ensaio, sem trabalho. Entre a genialidade auto-proclamada e a superficialidade preguiçosa é que nos enfiamos. Achamos engraçado, mas o que realmente buscamos é a Graça. Estamos trabalhando com uma leveza profunda, ainda que nossos atores, ambos grandes médiuns cavalos, estejam recebendo Gerald Thomas, nosso guru.

Nossa peça é uma tragédia poética, por isso resulta em comédia.

Dica: Como diriam o Ray, o Rey, o Ricky Martin, o Roy, o Ruy, aqueles que em outra galáxia muito distante foram conhecidos como Os Menudos, “não se reprima!”.  E como diria o Príncipe Pequeno: todo aquele que você cativa é seu escravo. Afinal, você quer ter uma grande distribuidora de laticínios na região sul do país, ou quer ser um ratinho comendo migalhas de queijo do sanduíche de humanos maiores que você? Faça como a gente, pare de fazer teatro. De repente, tudo é uma coisa gósmica.

sábado, 10 de julho de 2010

Esferas e Estados Verbais

Foto de Leo Lama, ensaios no Teatro Plíno Marcos.

Diferentemente do que se costuma fazer com textos de teatro, eu dividi o meu em esferas, em vez de cenas. E transformei cada uma delas em estados de ação, que impulsionam os atores internamente. Para cada uma dei o nome de um verbo.

Por que esferas? A experiência do espaço é a primeira do existir. Nós criamos esferas o tempo todo. Precisamos reproduzir a esfera primordial da qual brotamos: o útero materno. Nós vivemos buscando atmosferas esféricas, o calor que nos envolva e nos resgate do estranhamento que é estar fora do familiar. O ser humano é esférico e espiral pela própria natureza. Somos homens de cavernas. Vivemos na tensão entre vivenciar os espaços vitais e o sufoco do inabitável. Nossas esferas se furam, nós mesmos as furamos, vivemos catástrofes pessoais e coletivas e estamos sempre tentando reconstruir a grande esfera que nos envolve, ou com o silêncio eterno dos espaços infinitos. Assim pensando, trabalhemos com o que nos é essencial.

Pensando nos personagens de “O Primeiro Dia Depois de Tudo” e no que está acontecendo em cada esfera, nomeamos a primeira com o verbo “furar”. A personagem Beatriz entra no que ela pensa ser o seu apartamento, afobada, com uma ansiedade típica de quem está fora do próprio centro. Ela encontra seu marido, o personagem Roberto, em outro estado de espírito. Ela fala do trânsito e de como ela gostaria de ter asas para poder voar por cima do inferno que é a cidade. Ela chega em casa como se fosse mais um dia entre tantos dias de estresse, ansiedade e frustração. Porém, ele diz para ela parar com essas falas e acordar. Ele quer fazê-la perceber que o tempo acabou e eles não estão mais em suas vidas cotidianas. Ele diz que as coisas não podem mais acontecer, no entanto, ela diz que ainda acontecem. Independente da trama que se apresenta aqui, o que interessa para os atores é como eles devem agir. Uma situação é proposta em suas nuances e variações, mas existe uma motivação em comum: “furar”. Furar o que? A bolha do outro. Como seria tal furo? Com violência? Com astúcia? De forma sutil? É preciso fazer uma escolha. Ou várias escolhas, mas o objetivo da primeira cena é que um esteja querendo esvaziar o outro. Pra que? Para que ambos saiam de suas bolhas e possam se relacionar em uma realidade em comum. Talvez não consigam e a próxima esfera os vai levar para outro estado verbal, mas durante a atuação nesse pequeno circulo, eles estarão imbuídos da ação de furar. Parece subjetivo e talvez seja, mas tal verbo fortalecerá a intenção dos atores na cena.

Tudo pode ser re-agido e re-adequado. O que deve ser ponderado é a intenção, ou seja, o in-tender, para onde eu, ou o personagem, estou tendendo, qual a tendência do meu desejo. As Virtudes devem reger a pré-ação, ou seja, a vontade de fazer o Bem, bem feito, com empenho, com dedicação. Agir é transformar.

Como aplicar tal exercício à sua vida, já que você não é um ator? Será que não? Você está sempre atuando. Deixando de lado a crítica social, você está sempre agindo em uma cena. Usamos máscaras, mas os nossos rostos podem estar cobertos com representações de nossos desejos mais sinceros, que podem ser representados de várias formas, e não com a falsidade costumeira que usamos para tolerar encontros indesejados. O exercício consiste em você estruturar uma reunião ou um encontro, da qualidade que seja, como se fosse a cena de uma peça, ou uma esfera. Você não vai fingir ou representar um papel como alguém que está mentindo, mas como alguém que procura a melhor ação para cada ato. É a generosidade que deve nos reger e não o intento de ludibriar. O que seria tal impulso generoso? Seria você ter clara a sua intenção e agir impulsionado por um verbo que gere benefícios. Por exemplo, você vai a uma reunião e se deixa possuir pela energia do verbo “lucrar”, então você sabe que esta será a energia que estará te regendo e sabe as conseqüências que tal energia te trará. Não?  De repente você pode escolher o verbo “compartilhar”, “dar”, “somar”. O mesmo vale para um encontro amoroso. “Comer”, “ganhar”, “dominar” ou “escutar”, “unir”, “amar”. A sua intenção faz o seu caráter ou personagem. O Verbo nos cria a cada instante.   

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Por que encenar ainda, depois de tudo?

Foto de Leo Lama, ensaio no Teatro Plínio Marcos.

Depois de tudo que já foi dito, feito, pensado, depois de tantos acontecimentos que acabam nos trazendo uma sensação de redundância e enfastio, o que ainda resta do silêncio? Vivemos em um tempo em que as coisas parecem estar paralisadas, estéreis, desprovidas de seus movimentos mais largos, de sua riqueza mais profunda, de sua representação artística mais altiva. E mais ainda, os princípios nobres da humanidade parecem estar caindo de suas verdadeiras alturas, como se anjos despencassem do céu. No entanto, muitos sentem urgente necessidade de uma temática mais elevada e de uma abordagem menos óbvia da realidade nas obras de arte.  A isto se propõe “O Primeiro Dia...”, uma metáfora sobre estar em condições difíceis em um mundo de privações e provas e mesmo assim ter o destino de voar além do psicologismo e das mazelas, em busca do sentido do sagrado e do encantamento. Que possa surgir um novo dia, depois de tudo, é uma esperança.

“O Primeiro Dia Depois de Tudo” é uma tragédia poética, porque a tragédia purga, propõe uma troca com os deuses, do que é desumano pelo que é mais elevado. E a poesia é a linguagem que possibilita a fala do imaginário, do aberto, do que se renova. 

Dica: Empresários e empreendedores do mundo todo estão praticando o que estão chamando de "Dieta de Informação", algo como ficar duas ou mais semanas longe da Internet, procurando maior espaço dentro de si.  O excesso realmente tem feito mal às pessoas. Já existem programas, como o Nutshell, que selecionam as suas interações preferidas no Tuíter e no Feicebuk e te enviam em hora programada por e-mail, que você só abre uma ou duas vezes por dia, otimizando seu tempo, conservando seu foco. Há uma tremenda crise de conteúdo provocada pelas redes sociais e pelos blogs, que parecem mais enredar na ignorância do que proporcionar verdadeira interação social, é preciso contra-atacar com Arte viva em experiência e poesia. Quem sabe não estamos começando a nos preparar para o Primeiro Dia?