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sábado, 10 de julho de 2010

Esferas e Estados Verbais

Foto de Leo Lama, ensaios no Teatro Plíno Marcos.

Diferentemente do que se costuma fazer com textos de teatro, eu dividi o meu em esferas, em vez de cenas. E transformei cada uma delas em estados de ação, que impulsionam os atores internamente. Para cada uma dei o nome de um verbo.

Por que esferas? A experiência do espaço é a primeira do existir. Nós criamos esferas o tempo todo. Precisamos reproduzir a esfera primordial da qual brotamos: o útero materno. Nós vivemos buscando atmosferas esféricas, o calor que nos envolva e nos resgate do estranhamento que é estar fora do familiar. O ser humano é esférico e espiral pela própria natureza. Somos homens de cavernas. Vivemos na tensão entre vivenciar os espaços vitais e o sufoco do inabitável. Nossas esferas se furam, nós mesmos as furamos, vivemos catástrofes pessoais e coletivas e estamos sempre tentando reconstruir a grande esfera que nos envolve, ou com o silêncio eterno dos espaços infinitos. Assim pensando, trabalhemos com o que nos é essencial.

Pensando nos personagens de “O Primeiro Dia Depois de Tudo” e no que está acontecendo em cada esfera, nomeamos a primeira com o verbo “furar”. A personagem Beatriz entra no que ela pensa ser o seu apartamento, afobada, com uma ansiedade típica de quem está fora do próprio centro. Ela encontra seu marido, o personagem Roberto, em outro estado de espírito. Ela fala do trânsito e de como ela gostaria de ter asas para poder voar por cima do inferno que é a cidade. Ela chega em casa como se fosse mais um dia entre tantos dias de estresse, ansiedade e frustração. Porém, ele diz para ela parar com essas falas e acordar. Ele quer fazê-la perceber que o tempo acabou e eles não estão mais em suas vidas cotidianas. Ele diz que as coisas não podem mais acontecer, no entanto, ela diz que ainda acontecem. Independente da trama que se apresenta aqui, o que interessa para os atores é como eles devem agir. Uma situação é proposta em suas nuances e variações, mas existe uma motivação em comum: “furar”. Furar o que? A bolha do outro. Como seria tal furo? Com violência? Com astúcia? De forma sutil? É preciso fazer uma escolha. Ou várias escolhas, mas o objetivo da primeira cena é que um esteja querendo esvaziar o outro. Pra que? Para que ambos saiam de suas bolhas e possam se relacionar em uma realidade em comum. Talvez não consigam e a próxima esfera os vai levar para outro estado verbal, mas durante a atuação nesse pequeno circulo, eles estarão imbuídos da ação de furar. Parece subjetivo e talvez seja, mas tal verbo fortalecerá a intenção dos atores na cena.

Tudo pode ser re-agido e re-adequado. O que deve ser ponderado é a intenção, ou seja, o in-tender, para onde eu, ou o personagem, estou tendendo, qual a tendência do meu desejo. As Virtudes devem reger a pré-ação, ou seja, a vontade de fazer o Bem, bem feito, com empenho, com dedicação. Agir é transformar.

Como aplicar tal exercício à sua vida, já que você não é um ator? Será que não? Você está sempre atuando. Deixando de lado a crítica social, você está sempre agindo em uma cena. Usamos máscaras, mas os nossos rostos podem estar cobertos com representações de nossos desejos mais sinceros, que podem ser representados de várias formas, e não com a falsidade costumeira que usamos para tolerar encontros indesejados. O exercício consiste em você estruturar uma reunião ou um encontro, da qualidade que seja, como se fosse a cena de uma peça, ou uma esfera. Você não vai fingir ou representar um papel como alguém que está mentindo, mas como alguém que procura a melhor ação para cada ato. É a generosidade que deve nos reger e não o intento de ludibriar. O que seria tal impulso generoso? Seria você ter clara a sua intenção e agir impulsionado por um verbo que gere benefícios. Por exemplo, você vai a uma reunião e se deixa possuir pela energia do verbo “lucrar”, então você sabe que esta será a energia que estará te regendo e sabe as conseqüências que tal energia te trará. Não?  De repente você pode escolher o verbo “compartilhar”, “dar”, “somar”. O mesmo vale para um encontro amoroso. “Comer”, “ganhar”, “dominar” ou “escutar”, “unir”, “amar”. A sua intenção faz o seu caráter ou personagem. O Verbo nos cria a cada instante.   

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