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quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Ator I Chingado

Joana Levi, co-diretora, apontando o disco voador.

Parto do princípio de que o mundo do espírito é estruturado de acordo com sua natureza intrínseca; que tudo que cause falta de harmonia, tudo que seja monstruoso, inexplicável e temeroso também faz parte dessa ordem. E a fórmula para se atingir a harmonia do mundo está muito mais ligada à capacidade de conseguir alterar a função do mal quando presente em um cenário harmonioso, do que simplesmente negá-lo. Alfred Shnitkke, músico, compositor.

No romance Doktor Faustus, Thomas Mann idealizou um oratório no qual a música para os justos que merecem o Reino dos Céus possui as mesmas notas que a música para aqueles que irão para o inferno, mas a diferença está na execução. Pensando sobre a condição do ator, fazendo uma analogia, chamando “Reino dos Céus” de “aquilo em que acreditamos ser verdade quando vemos um ator fazer” e “inferno” de “aquilo em que parece falso”, pois não há nada mais infernal para um ator do que não parecer crível, tomemos as notas, ou a música, como sendo aquilo que será executado, ou seja, a ação. É o ator que faz com que uma ação pareça harmoniosa ou desafinada. A música, ou seja, a base é a mesma, mas a energia empregada, o impulso correto, a intenção perfeita, é que irá direcionar as notas para a tensão precisa ou para o atravessar do andamento. Esse estado interior, que deve ser produzindo tanto no corpo como na mente, é o material de trabalho do ator, um caçador de ação, pura e simplesmente. O ator não é um crítico de si mesmo, o ator não é um filósofo, o ator não é um diretor quando está atuando, é um agente. Qualquer interferência na caçada, estraga a música. O que aqui está sendo chamado de “ação”, não é um movimento, um gesto vazio, é uma ação dramática, uma atitude ligada à tendência do interior de quem a pratica, não apenas um impulso motor.

O I Ching, traduzido como o Livro das Mudanças ou Mutações, é o texto clássico chinês mais antigo de que se tem notícia. No I Ching está descrita toda uma filosofia centrada na idéia de balanço dinâmico dos opostos, na evolução dos eventos como um processo contínuo e na aceitação da inexorabilidade da mudança. Essas mutações às quais o título se refere, acontecem dentro. Dentro de todos nós o Cosmos inteiro pode girar em um segundo. O ator representa o ser humano, por isso é uma turbina produtora de estados interiores, que são produzidos de forma “artificial”, com o intuito de parecerem sinceros. No I Ching há três implicações fundamentais: simplicidade, variabilidade, persistência. Cabem como luva na mão do ator. A simplicidade é uma determinante de elegância e refinamento, de precisão, de corte de excessos. A variabilidade é o repertório interior que o ator tem que ter para produzir energia. A persistência é a luta incessante para conseguir a ação dramática.

Tiro ao disco. O disco é lançado e a espingarda do ator precisa acertá-lo antes que ele caia no chão. Uma vez atingido ou não, quase no mesmo momento outro será lançado. Antes que caia, acertar o elevado, o que está suspenso, o que está caindo, mas não pode cair. O disco é essa tensão lançada, esse impulso primordial que precisa sempre ser atingido enquanto está no ar.

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