Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Conversa com um Amigo no Facebook

Eu
Fala, Amigo.

16:41 Amigo
Cara, todo mundo que tinha combinado comigo de ir na sua peça hoje à noite está desmarcando. Ninguém se compromete com o que combina. As pessoas mostram a própria mediocridade e a falta de coragem de mudar os hábitos de um jeito descarado!

16:42 Eu
Puxa, que pena.

16:42 Amigo
Mas, eu combinei, então EU vou.

16:43 Eu
Eu gosto quando alguém vem. Sua presença é um presente.

16:43 Amigo
As pessoas nunca estão comprometidas. Isso tem a ver com o que você escreveu sobre compaixão. Isso tem relação com tudo na vida. Ninguém quer se comprometer nos relacionamentos, no amor, no trabalho. É muito desanimador.

16:44 Eu
Bem, os que me interessam são os que se comprometem e honram seus compromissos, como você, por exemplo.

16:44 Amigo
Ninguém tem palavra. Mas você vive de outro jeito, isso é raro. Ir ao teatro é uma busca.

16:45 Eu
É verdade. Concordo com você. Muitos dizem as coisas por dizer, no calor do momento. Muito do que a maioria diz pode ser considerado apenas um espirro. O que eu falo e prometo é sempre um contrato. E também concordo que ir ao teatro é uma busca, principalmente quando se vai ao teatro procurando algo mais do que apenas ver os artistas que aprecem na televisão.

16:45 Amigo
Precisa ter coragem pra sair do quentinho do sofá e contribuir com algo relevante em vez de ficar amortecido assistindo Passione.

16:46 Eu
Te admiro por pensar assim. Posso publicar nosso diálogo no blog? Acho isso que você está dizendo fundamental pra uma reflexão.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Reconciliar

Foto de Heloisa Bortz.

Escrever é cortar, meus companheiros de solidão artística. Quem sabe do ofício, sabe que é assim. Escrevemos demais, tanto quanto falamos demais. O fluxo vem como se preciso fosse explicar muito, o que sem palavras se diria melhor. O corte é prazeroso, porque propicia o espaço, o silêncio criativo, a poesia quieta. Nada precisa de tanto.

Intuo que mais ainda do que a união é a reconciliação que faz de uma junção afetiva um matrimônio. O novo concílio, o novo perdão. O que é compaixão? É o passar junto por. Atravessar os problemas, os dias, a vida: travessia que se pode fazer de mãos dadas, ou de almas entrelaçadas, em harmonia, em congraça. Esquecer uma desavença é reescrever uma abertura: corte de excessos. Bonito é o ato de fazer as pazes. Tem dias que a relação com o outro pode ser uma reconciliação consigo mesmo.

Um dia as coisas não se encaixam mais e de repente nossos sentimentos já estão nas caixas perto da porta de saída, esperando o caminhão da mudança. Precisamos mudar.

Cada vez mais eu sinto que amar é esvaziar o apartamento, desocupar. Talvez amar seja não amar. Enxugar-se é estar cada vez mais presente.

Corto minha peça como quem se reconcilia consigo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Espanto nos Olhos do Macaco

No topo de uma árvore tão alta que a imaginação humana só alcança através de um sonho helicóptero, lá estava ele, comendo uma fruta e contemplando a vida de uma altura íntima, conhecida sua, outras vezes visitada: um habitat. Seus olhos já não seguem todos os barulhos que a selva produz, muitos deles, ele já conhece e sabe aonde vão dar. Uma combinação sonora aqui outra ali, uma coincidência de grilos inusitada, uma mosca em dueto com uma rã, fazem com que ele de vez em quando perscrute com um leve mexer de cabeça. Nada tão surpreendente assim, só um pequeno suspiro que esse galho e aquele podem trazer, mas não muito diferente de outro e outro e daquela ou dessa árvore. É tudo muito alto e quieto e morder a fruta é um prazer necessário e silvestre. Ele é ele comendo depois de procurar comida e ser-se é algo que não se questiona. Ele sente fome, ele procura comida, ele come. Há outros como ele, mas ele é alguma coisa dentro dele que é e sempre é como é. Os outros são inquestionáveis, são quentes, são rápidos, são peludos, são cheirosos, são conhecidos e andam perto dele, mas não são ele com sua fome e desejo de fruta na mão e na boca. Os outros comem fruta, ele come fruta. O sol está morrendo entre as nuvens e ele não se admira e nem acha isso bonito ou feio ou interessante. Ele olha para o horizonte porque ele come fruta no topo. De repente ele é o terror de ser ele. O susto e a incompreensão disparam seu tempo interior. Ele é a perplexidade de ser ele agora indo, corpo agarrado, já além do que parecia ser o cume. Ele é a insegurança e o pavor de ser ele. Em sua nuca algo pontiagudo o comprime e fura. Ele é a dor de ser ele, saltando muito a cima do que jamais quis: arrastado pelo céu, ele é a impotência de ser ele.

A morte chegou águia quando ele era ele.

sábado, 25 de setembro de 2010

O Incógnito

por Joana Levi

Hoje assistindo a apresentação de “O primeiro de dia depois de tudo” tive uma experiência rara no meu percurso artístico. Pude ver num trabalho em que colaborei na construção, um outro desconhecido. Como se o espetáculo, tomando vida própria, se revelasse dizendo a que veio, fazendo entrever sua face oculta, seu fulcro, sua nebulosa. Logo nos primeiros dez minutos uma palavra me surgiu na mente, como um letreiro luminoso: Incógnito! Como se a ação chave do espetáculo fosse a tentativa perplexa desses personagens, Roberto e Beatriz, de tatear sentido para algo indizível. Eles falam sem parar como que desconstruindo a linguagem. O mistério que tanto buscávamos nos ensaios se fez presente.

O incógnito é algo que insiste em não se revelar, em não se deixar explicar, descrever. Pode ser apenas rodeado. A fala, a cognição não o contém. Os atores têm a tarefa hercúlea de manter vivo e se relacionar com este buraco negro dentro do qual os personagens estão mergulhados. Nessa busca incessante cada frase é “re-significada” e “des-significada”. Cada palavra é significante. Toda afirmação e toda exclamação surgem de uma interrogação que não se cala.

Por outro lado, isso tudo estava lá desde o começo, no texto e na concepção inicial, mas hoje deixou de ser conceito, tornou-se vivente.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Apartamentos

Foto de Heloísa Bortz.

Fade in. Milhares de prédios estão explodindo. A câmera vai se aproximando de um prédio no meio dos estouros. Foco. Todos os prédios e construções ao redor estão em ruínas. Menos um. Ele explode. Mas, um andar, o oitavo, permanece intacto, flutuando. Uma das paredes desmorona e na beira do precipício flutuante vemos um homem e uma mulher. Estão sentados em cadeiras de rodas. De suas costas enormes asas rompem o espaço e pendem no abismo. Há uma profunda tristeza em seus olhos. No horizonte cinzento um crepúsculo de chumbo. Todo coração é uma guerra. Mesmo assim, há quem não sinta a investida da destruição. As asas não aparecem no espelho, precisam ser intuídas. Roberto Alighieri, Beatriz Gruoch. O que são?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Por um mundo de verdade

Foto de Heloisa Bortz.

Há duas semanas estive na sala Vitrine do Teatro Imprensa para assistir a nova peça de Léo Lama (autor e diretor), com Leonardo Ventura e minha amiga Priscilla Carvalho. Quando terminou tive a sensação de ter visto algo distante do que conheci quando comecei fazer teatro, algo sério, inebriante, encantador. O enredo me encantou. É muito simples dizer que um texto é bom, esse é melhor, é "thought-provoking". A encenação tem um ator clássico, técnico, excelente em cena e uma atriz entregue ao trabalho, realizando como se a personagem estivesse viva e morta ali. A trilha sonora inicial é ótima e perturbadora, o desenrolar às vezes tira o fôlego e o resultado é algo fantástico, não o show da vida, nada plástico, mas para se pensar e aguardar seu final.

Por Alexandre Santucci, psicólogo; especialista em Marketing; ator pós-graduado em Artes Cênicas – Teatro. Profissional do ramo da Eno-Gastronomia,criador do "Descomplicando o Vinho"(http://santucci.blogspot.com), além de professor universitário. Espectador Essencial.

domingo, 19 de setembro de 2010

Ética e Mediocridade

Tenho refletido sobre o fazer artístico, meus companheiros de solidão artística. Talvez, hoje, depois de tudo que já foi dito e feito e depois de um profundo reducionismo de valores e virtudes, pouca referência se tenha sobre o que é Ético, ou seja, sobre o que é uma postura digna de um ser humano e no caso da Arte, de um artista. A peça “O Primeiro Dia Depois de Tudo”, que foi escrita quando eu tinha 24 anos e atualizada agora, fala um pouco desse “tudo” e desse primeiro dia que deve surgir sempre em cada um de nós, como um dever de renovar, de buscar de novo o positivo, os valores, a criação, a harmonia. Estamos cercados pela mediocridade e detectá-la e superá-la é também um dever. Não é fácil, ela é imperiosa e aliada à ignorância mais forte fica. Porém, tal estado não é invencível. Vencer o mediano é ser Si mesmo, porque o médio vem justamente daquilo que quer te igualar a um padrão e matar sua singularidade. Já que a sociedade de consumo não pode dar conta do cada um, precisa formar massas homogenias, pensamentos reduzidos, turbas que querem e desejam as mesmas coisas. É daí que surge uma praga que infesta a arte que alguns fazem, baseada naquilo que o público quer ver. Alguns “iluminados” pensam e falam pelos espectadores e, diga-se, muitos merecem esses que falam e pensam por eles, e produzem “aquilo que o público quer ver”. Porque se o gado não pensa, fala e se rebela, vai mansamente para o matadouro.

Recentemente aconteceu comigo uma das experiências mais desoladoras da minha vida no teatro. Em montagem da minha peça “Dores de Amores”, vi a mediocridade se instalar em cada uma das minhas aspirações. Durante os ensaios vi os participantes do projeto ignorarem e cortarem tudo que dizia respeito à minha busca espiritual, todos os símbolos que coloquei em minha pecinha foram reduzidos a maneirismos e psicologias de acordo com o parco alcance dos atores, que não acreditavam “nisso”. Na época eu estava querendo ser um homem flexível e fui deixando que se apropriassem, coisa que jamais farei outra vez. Aprendi. Preciso defender o que não é meu e eu devo ser guardião, o que é um valor e não aquilo que eu acredito. Não são nossas tolas crenças que nos definem e sim as Virtudes que nos servem de modelo. Preciso defender a Ética e a Justiça e não a minha personalidade e minha vaidade. A montagem de Dores de Amores de 2009 envergonhou meu espírito desde o primeiro dia que assisti e subi ao palco constrangido para agradecer. Na época, eu estava exercitando a capacidade de aceitar, de deixar meu ego quieto, de ouvir a opinião dos outros. Mas, confundi as coisas. Uma coisa é ser flexível, outra é abrir as pernas. Eu sempre fui muito rígido e impositivo, um mandão, por isso estava aceitando tudo calado. Quase morri. Pela Ética não se deixa de lutar. Depois de um tempo fui de novo assistir a montagem e o texto estava bastante adulterado, os atores tinham escrito falas inteiras que jamais teriam sido escritas por mim, falas canhestras, escritas para agradar a um público que quer o riso fácil, a burrice, as piadas vulgares, o entretenimento barato. Pronúncias da mediocridade, condizentes com uma interpretação maneirista, estereotipada, histérica, acordadas com os atores daquele circo de horrores. Mas, não sendo o bastante, o final da peça tinha sido mudado, adulterado, invertendo todo o sentido proposto pelo autor. Tudo isso sem a minha autorização, em uma prova cabal de desrespeito e falta de dignidade e de um crime hediondo contra direitos autorais. O que fiz? Nada. Escrevi um e-mail de desagravo aos produtores, também atores, que não me responderam, como é peculiar aos covardes. Sumiram (embora ainda apareçam em público, praticando o mesmo tipo de arte medíocre). Nunca me pediram perdão, nunca reconheceram o crime. Não é a cara dos nossos tempos? Tenho certeza que pensam que o que fizeram é normal. Poderia processar, poderia ter partido pra agressão física, poderia ter feito um escândalo. Estava fraco na época, irreconhecível. Jamais agirei assim novamente. Aprendi. O que posso fazer? O que tenho feito. Tenho contado essa história em todos os lugares que vou, públicos e privados, para que sirva de alerta para quem pensar em trabalhar com essas pessoas que não quero nomear aqui, mas que são bois nomeados (que se procure no Google). Sigo o ensinamento dos meus pais, que diziam que ser conivente com os criminosos é expor os inocentes à maldade.

A arte é a simbolização lúdica da vida e não a imitação desta. E está na capacidade do espectador a possibilidade de leitura simbólica. Só mesmo a mediocridade pode desejar que, por exemplo, uma asa de anjo em um palco de teatro não seja feita de penas de aves ou plumas compradas na 25 de março. Fazer arte é transformar, resignificar as formas. Mas, cada um vê o que está dentro de si. A galinha vê a galinha. O homem digno encontra a Ética.

Quadro de Mira Schendel, artista espiritual.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Grande Obra

Foto de Lenise Pinheiro

Nosso espetáculo é uma das experiências mais loucas que já tive no teatro. Parece ser um caleidoscópio. Cada um acha uma coisa, cada hora sai de um jeito, nunca parece a mesma peça, nunca diz a mesma coisa. Uma hora parece que é para jovens, mas os mais velhos em certos dias se emocionam, as respostas se misturam. Hora está técnico, frio como um alemão comendo salsicha em Veneza. Certas vezes derrapa no dramalhão mexicano. Erro. Como convencer cada um que vai assistir que não é aquilo que viu o que queremos. Cada um se apropria do que viu. Responde, interage. O que queremos? Quero buscar uma transcendência, exijo isso dos atores, que já fazem demais e se esforçam para cumprir. Como atingir o não-esforço, o não-agir, o Tao? É uma busca árdua. É um lugar novo. É tudo dentro. Tudo nos desmascara. O Ator em Repouso revela as precisões e as carências. Expõe.

Mas o ator deve ser um bruxo, um mago. Alguém que direciona as energias. Alguém que não está subserviente nem aos próprios humores, nem aos humores da platéia. Alguém que conduz as energias dentro do ritual proposto. Alguém que atravessa as agruras, alguém que retém as negatividades da platéia e as devolve, de alquímica forma, expurgadas. Tudo se resume em uma única palavra: trabalho.

Quem não tem o compromisso com se aprimorar no que faz, não fará nada com compromisso. Para isso lutamos e a função da arte é justamente gerar a necessidade em cada um, quem realiza e quem contempla, de ter a Grande Obra em si.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Plínio e Leo batendo bola

Em 1977, meu pai, o dramaturgo Plínio Marcos, escreveu um texto para a Folha de São Paulo de um suposto diálogo que teve comigo. O único equívoco dele é que eu era centroavante. Naquela semana é que eu joguei de zagueiro na escolinha de futebol da Aclimação, mas eu era atacante, sempre fui.

“Meu filho Leonardo, de 12 anos, um bom zagueiro de área, chega pra mim e declara:

– Pai, vou ser um escritor de contestação.

– Vai ser o primeiro beque do mundo a escrever alguma coisa.

– Vou.

– E sobre o que você vai escrever?

– Sobre nossa família.

– Bom assunto. Você conhece bem todos nós e pode nos retratar com muita verdade.

– É.

– Só que tem um porém.

– Sempre tem um porém.

– É isso aí. E o porém desse caso é que, se eu não gostar da tua história, tu leva um cascudo.

– E se você gostar, o que eu ganho?

– Um cascudo.

– Mas qual é?

– Sabe, garotão, escritor de contestação, quando agrada, é um lixo que só merece cascudo. Mas quando acerta, incomoda muita gente e recebe montes de cascudos.

– É duro então?

– Se fosse mole, tinha um monte de gente na parada. Mas muito mais duro é meter o galho dentro e não escrever absolutamente sobre o que se acredita. A censura é um constante cascudo em quem critica a sociedade, em quem contesta a hipocrisia da sociedade, enfim, um cascudo em quem não se acomoda...” (Um pequeno diálogo com meu filho Nado – Ilustrada, Folha de S. Paulo, 16/7/1977)

Sobre a Arte, a verdadeira

A Arte é rebento do Rito, este, foi dado a nós por Graça, não apenas para impedir que a Verdade destrua a criação - porque o Todo não cabe na parte - mas para prismá-la em feixes de todas as cores a fim de que a Luz, vestida de forma, penetre, fecunde e inspire a existência. O Rito é a língua por que fala a Revelação ao coração dos homens, e a Arte, a verdadeira, é a sua pequena resposta.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Espectadores Essenciais

Belíssimo espetáculo. A imagem dos dois, os olhares que focam e se desviam, algumas frases ainda ecoam na cabeça. Fiquei impressionada!Forte, contundente e muitas vezes angustiante, principalmente porque o espaço que nos faz sentir tão próximo ao ator, nos coloca também dentro da história. E me fez pensar: em algum momento eu já vivi ou disse ou pensei exatamente isso. Como imagem me fez lembrar um filme que adoro "Asas do Desejo" de Win Wenders. Parabéns Leo, e ao elenco também, que, aliás, segura divinamente os personagens. Estou indicando a todos os amigos.

Dione Leal, atriz, espectadora essencial.

Em tempos de frenesi, uma hora de não-ação é convidativa. Dois atores que se movem apenas o necessário, emoldurados por grandes asas. O público, imerso no escuro e nos sons, quase não se movimenta também. Mas que ninguém se engane, o turbilhão é dentro. As palavras vão jorrando, a teia vai se entretecendo exatamente como aquelas que envolvem os simples mortais no mundo lá fora. Quando vai ver, já foi. Os “anjos” da platéia e do palco se espelham. Ou não é verdade que, assim como eles, nos vemos presos, falando demais, omitindo, amando, mentindo, re-agindo, buscando caminhos que não existem? Buscando verdades que ainda não conseguimos abarcar. Como folhas ao vento, mudamos de direção e tememos no outro aquilo que pode nos machucar. Os melindres e as frivolidades às vezes recebem maior atenção do que as poderosas asas que se mantêm inertes. Se o primeiro dia depois de tudo é aquele que nos faz pensar, a peça do Leo Lama é um achado. Os quatro olhos hipnóticos dos atores catalisam todos os movimentos contidos e os entregam de volta para nós. Que cada ser alado carregue suas próprias penas e escolha cuidadosamente seu próximo gesto.

Adriana Calabró, escritora, redatora, espectadora essencial.

O Primeiro Dia Depois de Tudo traz de volta a busca do interior, a resposta de si mesmo, a força para encontrar a saída. A peça acende a vontade de amar a vida dos seres humanos, a consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora. Lembrar os erros que foram cometidos para que não mais se repitam. Faz-nos perceber a capacidade que temos de escolher novos rumos. Traz de volta o indispensável, o respeito, e quando tudo mais faltasse, um segredo, o de poder voar.

Solange Nogueira, tradutora, ambientalista, espectadora essencial.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Seleção

Crítica

Por Sérgio Sálvia Coelho, autor, diretor, ator, homem de teatro, espectador essencial.

Vi O Primeiro Dia Depois de Tudo há poucas horas, aproveito para te escrever “a quente”. Acho que você (Leo Lama) tem uma boa peça nas mãos. Me deu a impressão, sobretudo no que diz respeito ao texto, que você disse exatamente aquilo que você queria dizer; é uma obra madura, não porque reflete uma suposta maturidade do autor ou por que se adéqua perfeitamente a um pré-modelo, mas por que só você poderia ter criado isso do jeito que está, e não poderia ser de outro jeito.

Gosto sobretudo da perplexidade que ela me causou (assim como gostei de ter saído perplexo do filme A Origem, que tem alguns pontos em comum com ela). Esse casal no limbo não renega as origens realistas, tem raízes no cotidiano com o sarcasmo melancólico que ainda ecoa o Dores de Amores. Os velhos e indispensáveis clichês (o aborto, a traição, a insatisfação com a arte) são reciclados por um deslocamento lírico muito delicado e preciso.

Fiquei aliviado por ver que você não caiu em um proselitismo místico cristão ou espírita (e não vai aí nenhum preconceito contra uma decisão que já foi a de Zé Vicente ou de seu pai). É que esse universo paralelo que você criou é rico justamente por ser precário e indefinido, não tem o urbanismo fechado e pasteurizado do Chico Xavier; esse seu (personagem) Roberto Alighieri não conta com nenhum Virgílio e por isso tem que improvisar. Por outro lado, a voz feminina é tocante no seu desespero e entrega, ela é bem mais madura e generosa que ele e aí também é um traço totalmente realista (nós, homens, somos realmente patéticos desse jeito). Me parece ser um texto que qualquer atriz adoraria dizer.

A encenação, que tira todo o proveito possível do espaço traiçoeiro do Vitrine, faz uma boa síntese das asas e da cadeira de rodas, da imobilidade e da liberdade infinita das rubricas faladas no condicional. Pela insistência na simplicidade, e na beleza do preto sobre branco recortados pela luz, cria boas condições para cunhar uma metáfora da nossa geração (me lembrou a cena do trapézio do Feliz Ano Velho).

A vinheta sonora do início é uma façanha técnica e permite um bom silêncio, mas me pareceu um pouco longa (por outro lado, talvez por isso mesmo ela produza uma angústia inicial importante para o deslocamento).

A partitura que você criou para os atores é minuciosa e coerente, e dá para ver o esforço deles em segui-la. Por outro lado, os dois me parecem um pouco imaturos para preencher tanta angústia. A simplicidade é a chave de tudo, e eles me parecem se deleitarem um pouco demais por sentir os olhos molharem e pela ousadia de encarar a platéia nos parênteses de distanciamento; fingem a dor que sentem, ou melhor, sinalizam o que já está presente. Mas estou exigente, sobretudo por que sinto a força original do que você criou; de todo modo, é raro ver alguém se permitir sofrer a dor do cotidiano em cena, sem apontar soluções. Posso imaginar que você tenha sentido o peso do privilégio de ser comparado a seu pai esses anos todos, compartilhando os objetivos, mas escapando da franquia (nada que o Vianinha e o Alexandre Dumas Filho não tenham passado). Enfrentar a ferida do melodrama sem cair no deboche nem no cafona é tarefa difícil, mas importante. Com esse texto, você prova que tem uma voz única, que ainda tem que ser ouvida bastante.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mais Confete!

As paredes estão ruindo e o mundo não tem mais contorno, nem padrões, nem referências. Nesta desconstrução, nem os corpos têm mais o seu lugar, aprisionados que estão entre asas que permitiriam o vôo e cadeiras de rodas que lhes mantém presos ao chão: a imagem do casal é poética e incômoda, assim como o próprio texto. Todas as alternâncias e polaridades que a peça traz, inclusive na interpretação dos atores: suavidade e brutalidade, olhares fixados e olhos que buscam o contato, o dentro e o fora, o céu e o inferno, as asas e as cadeiras, a luz e a escuridão, o sonho e as regras que devem ser cumpridas, os gritos e o silêncio, a agressividade e a delicadeza... Nada disso está lá por acaso, em tudo parece haver uma intenção, talvez a de nos colocar diante de grandes espelhos. De alguma forma, é como se o autor, o diretor e os atores contassem para mim que, para além do mundo, dos corpos e das formas, a vida acontece e ganha significado e sentido nesse espaço do transitório, no espaço "entre", lugar de encontro e confronto onde os afetos se constituem e as verdades se revelam. "O primeiro dia depois de tudo", inicialmente, parece contar sobre os desencontros de um casal, mas o convite implícito é para que façamos um outro tipo de vôo.

Flávia Bomfim Perdigão, pedagoga, educadora, espectadora essencial.

Adorei a peça, realmente vocês são muito competentes no que fazem. Penetrei na experiência que estava sendo apresentada, fiz uma viagem em meu interior. Muitas vezes vivemos experiências, mas não temos competência para falar das nossas emoções. Artistas como vocês sabem nos traduzir. Preciso me aproximar mais dessa arte, me fez muito bem. Foi emoção do começo ao fim.

Lenice Britto, professora, espectadora essencial.

Fui e valeu muito ter ido. Tudo muito bem marcado: expressão, situação, cortes, atenção, foco. OLHO NO OLHO. Gosto de como você escreve o que escreve: a união dos separados que somos de nós mesmos. Teatro de ator de texto. A peça não saiu da cachola: ficou no sutil, muito sutil...

Roberta Briotto, atriz, espectadora essencial.

sábado, 4 de setembro de 2010

Confete


O espetáculo (O Primeiro Dia Depois de Tudo) discute a falta de humanidade do homem contemporâneo, através de um texto potente e plural, que passeia com desenvoltura entre o poético, o concreto, o abstrato, o narrativo e o trivial. A direção privilegia o trabalho (primoroso) de atuação do casal de atores. Imóvel e de olhos vidrados, a dupla apóia-se apenas na voz para ressaltar que debaixo das cascas endurecidas a carne ainda pulsa. E como pulsa.

Gabriela Mellão, editora de teatro e crítica da Revista Bravo!, espectadora essencial.

"Leo, eu amei, gostei muito mesmo, que trabalho bonito..."

Luci Macedo, atriz, espectadora essencial.

Um desafio. Espetáculo sem gordura de luz, de cenário, atuações enxutas. O início e o fim sensorialmente perfeitos. Trânsito tenso e denso entre ficção, cotidiano palpável e o esgarçamento de construções que começam a se estabilizar.

Gal Oppido, poeta da fotografia, espectador especial.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Intimidade

Nossa proposta é a busca do perto, do aproximado, do dentro. O espectador sente o coração dos atores pulsar, os atores sentem a respiração da platéia. Um olhar entrado no outro.

“O Primeiro Dia Depois de Tudo” busca o íntimo, mas como toda busca sincera, mostramos também os percalços de uma aproximação tão intensa. Buscamos a intimidade como a qualidade de manter a distância entre os parceiros para que cada um possa reconhecer o Outro. Viver a intimidade é ter competência para estabelecer limites: estar suficientemente perto para desfrutar do afeto, do contato, da vibração, da emoção que emana do Outro; e estar suficientemente longe para poder perceber o Outro sem se confundir, nem se amalgamar. Enxergá-lo, tocá-lo sem devorá-lo, com a plena noção de que o Outro é outro, diferente do Um, Ele, a terceira pessoa do singular, a União. A intimidade permite amar e respeitar o Outro apesar das diferenças e das fragilidades, e permite caminhar para o Um.

Venha estar íntimo de nós.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Tremor-tandem

Crítica do Dr. Paulo Rosenbaum, médico, praticante da Medicina do Sujeito, poeta, escritor, espectador essencial.

A peça “O primeiro dia depois de tudo” destoa pela brutalidade. Há um fulgor impenitente, dramático, que impressiona e assusta. Lama pesou a mão e devolveu à cena teatral para o gosto da densidade intelectual e filosófica que ela, higiênica e deliberadamente, perdeu. Há uma linha de ação que se completa pela coerência – não propriamente temática – mas refletida no estrabismo dos atores parados (excelentes em todos os sentidos) com suas colossais asas imóveis. Recomendo sentar em um dos cantos do minúsculo teatro intimista.

O cenário e a iluminação são exemplos de que se pode fazer do pouco, bem dosado, a melhor impressão possível. A privação de sentidos e o hábil jogo que se estabelece com eles devolvem ao freqüentador do teatro o gosto pela reflexão, e, sem perder o humor – o bom e o mau -- o autor vaga em busca de sentido num diálogo vertiginoso entre o amor e o egoísmo, mundano e sagrado, transcendência e imanência. O texto é um golpe baixo contra o senso comum (ele merece), contra o rebaixamento das aspirações do espírito e contra, principalmente, a comédia tosca de costumes que dominam e monopolizam a cena no teatro (e literatura) de nossos tempos. Não há mídia que queira disputar peças estraga-prazeres, o que se compreende perfeitamente e fazem muito bem.

No texto, a tortura do autor invade o expectador sem refinamento, ora com o silencio ora com os brados epifanicos dos atores que denunciam o mundo, de cima abaixo. Que se curvam para ir além do primeiro dia, que precisam mostrar que a criação e arte das gavetas merecem viver, e se preciso for, que seja pela insurgência. Se Jorge Luis Borges imaginou mesmo o paraíso como uma espécie de biblioteca, a livraria Duncan é sua condigna filial, especialmente com seu pop-up big bang aberto. No final, tem-se a impressão que mesmo com os excessos e alguns trocadilhos substituíveis, atores que repousam têm mesmo penetração para provocar um eficiente deslocamento na platéia, mais do que alguém poderia imaginar. O dramaturgo só fez aprovar sua tese de que a alma pode ser acesa na mais absoluta inércia. Aliás, o pavio dura muito mais assim. E como nem tudo é pesado (o tremor-tandem dos atores em cadeiras de rodas é uma experiência angustiante), vale sentir e vibrar com os anjos que desceram ao palco para emular a mímica final: precisamos de nossos filhos tanto como eles dependem de nós.

É sempre estréia!