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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Tremor-tandem

Crítica do Dr. Paulo Rosenbaum, médico, praticante da Medicina do Sujeito, poeta, escritor, espectador essencial.

A peça “O primeiro dia depois de tudo” destoa pela brutalidade. Há um fulgor impenitente, dramático, que impressiona e assusta. Lama pesou a mão e devolveu à cena teatral para o gosto da densidade intelectual e filosófica que ela, higiênica e deliberadamente, perdeu. Há uma linha de ação que se completa pela coerência – não propriamente temática – mas refletida no estrabismo dos atores parados (excelentes em todos os sentidos) com suas colossais asas imóveis. Recomendo sentar em um dos cantos do minúsculo teatro intimista.

O cenário e a iluminação são exemplos de que se pode fazer do pouco, bem dosado, a melhor impressão possível. A privação de sentidos e o hábil jogo que se estabelece com eles devolvem ao freqüentador do teatro o gosto pela reflexão, e, sem perder o humor – o bom e o mau -- o autor vaga em busca de sentido num diálogo vertiginoso entre o amor e o egoísmo, mundano e sagrado, transcendência e imanência. O texto é um golpe baixo contra o senso comum (ele merece), contra o rebaixamento das aspirações do espírito e contra, principalmente, a comédia tosca de costumes que dominam e monopolizam a cena no teatro (e literatura) de nossos tempos. Não há mídia que queira disputar peças estraga-prazeres, o que se compreende perfeitamente e fazem muito bem.

No texto, a tortura do autor invade o expectador sem refinamento, ora com o silencio ora com os brados epifanicos dos atores que denunciam o mundo, de cima abaixo. Que se curvam para ir além do primeiro dia, que precisam mostrar que a criação e arte das gavetas merecem viver, e se preciso for, que seja pela insurgência. Se Jorge Luis Borges imaginou mesmo o paraíso como uma espécie de biblioteca, a livraria Duncan é sua condigna filial, especialmente com seu pop-up big bang aberto. No final, tem-se a impressão que mesmo com os excessos e alguns trocadilhos substituíveis, atores que repousam têm mesmo penetração para provocar um eficiente deslocamento na platéia, mais do que alguém poderia imaginar. O dramaturgo só fez aprovar sua tese de que a alma pode ser acesa na mais absoluta inércia. Aliás, o pavio dura muito mais assim. E como nem tudo é pesado (o tremor-tandem dos atores em cadeiras de rodas é uma experiência angustiante), vale sentir e vibrar com os anjos que desceram ao palco para emular a mímica final: precisamos de nossos filhos tanto como eles dependem de nós.

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