Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

sábado, 31 de julho de 2010

A Experiência

O teatro poderia ser uma salvação. Não como se tivesse a mesma função de Jesus Cristo. Pensemos em um documento que se quer guardar em uma pasta no computador. O teatro pode salvar e ser salvo se for uma experiência que perdure nos arquivos. Nas redes sociais as frases se diluem no mar do excesso. Penso que a superficialidade é a quantidade tomada como sinônima de intensidade. O que é uma experiência? O que vale a pena ser salvo?

Se pensarmos que uma experiência é a interação de todo ser vivo com as condições ambientais que o cerca, poderíamos dizer que as experiências ocorrem o tempo todo e este seria o próprio processo de viver. Mas, os aspectos e os subsídios do eu e do mundo implicados nessa relação, modificam a experiência com emoções e idéias, e assim surge a intenção consciente. Na quase maioria das vezes as experiências vividas são incipientes. Por quê? As coisas são experimentadas, mas não de forma a serem consideradas como uma experiência singular. Há dispersão e distração. O que observamos e o que pensamos, o que desejamos e o que obtemos, discordam entre si. Muitos são os casos de coisas que começamos e paramos, que interrompemos no meio, coisas que fazemos concomitantemente com outras e tudo parece ficar meio sem final, sem o alcance que poderia ter. Interrupções e letargias internas roubam das experiências uma grande parte da essência que as constitui. Uma experiência vital se destaca, porque tece nossa vida em colcha essencial, desenhada com nossa singularidade, em nosso modo de se descobrir. Mas, para que isso aconteça, é preciso que o ser esteja absolutamente presente naquilo que vive, e não fragmentado em mil anseios dispersos.

Podemos dizer que um ator pode proporcionar uma experiência a quem o assiste. O mesmo poderia ser dito de um pintor ou de um fotógrafo ou de um amante. Quando isso acontece? A arte se divide entre o artístico e o estético. Aquilo que é realizado e o que é percebido. Mas, para a experiência ser completa, precisa que aquilo que é executado contenha o que será percebido. Digamos que o ator precise produzir em si a energia que ele quer que a platéia sinta. Sendo assim, é óbvio que o artista precisa passar pelo mesmo processo que ele quer que o espectador de arte passe ao contemplar sua obra. É comum querermos que alguém nos ame de um jeito que não estamos amando. Há quem diga que arte é aquilo que é executado com extrema perfeição, mas, se isso não for percebido, não será experimentado. É como fazer um maravilhoso jantar para quem não tem paladar. Portanto, moldar em si mesmo o molde da experiência a ser percebida não é o bastante. Seria preciso que quem fosse comer a comida de um artista, soubesse perceber o que está comendo, ou estivesse aberto para ser surpreendido. Não é em um processo imediatista, conseguido com pouco esforço, que se alcançará resultado. A sociedade precisa se transformar, mas isso não vai ocorrer amanhã, já a transformação individual pode se dar a partir de agora, em artistas e apreciadores de arte.

Todos sabem que a emoção pode ser facilmente conseguida, as coisas mais tolas podem nos fazer chorar ou ter uma catarse psicológica, mas, aqui, estou me referindo a algo que dure muitos anos em uma vida, a algo inesquecível, uma experiência transformadora e não a uma autocomiseração sentimentalista.

O artista que recebe elogio como sinônimo de trabalho bem feito é um artista morto, que não cumpriu sua função, que não foi fundo em sua execução. A função do ator, por exemplo, não é ser elogiado, é fazer com que a peça na qual ele atua apareça mais do que ele mesmo. Arte pode ser também uma comunhão de busca a um processo de experimento fundamental. Para que uma habilidade seja artística, no sentido final, ela precisa ser generosa, precisa importar-se profundamente com o tema sobre o qual tal habilidade é exercida.

Então, o teatro pode ser uma salvação, uma contrapartida às experiências virtuais e superficiais, se sua representação puder ser uma vivência primordial e não mais uma proposta de distração, mais uma droga. Por que pensarmos em termos de salvação? Bem, talvez seja preciso que se pense profundamente no que está sendo perdido.

Um comentário:

Mauricio disse...

Interessante e pertinente... como expectador, admiro os artistas que se fundem com seus personagens e suas histórias. Creio que o sinal inequívoco de um trabalho bem feito é quando o público passa a odiar determinado ator pelo papel de vilão que ele representa em um espetáculo ou uma novela, por exemplo. Ou quando é confundido com algum personagem. Sinal que a mensagem foi transmitida, mais que a mensagem, a emoção. Houve um toque profundo no ser, não necessariamente uma história real, porém na mente e no coração ela se torna real, mais tangível até do que um sonho. Para mim,ao assistir um espetáculo de dança, teatro ou música, o tempo e espaço se distorcem, fica apenas o desenrolar de um evento que me envolve e me leva para dentro da experiência. Claro, nem sempre isso ocorre e infelizmente já participei de um espetáculo dito alternativo no qual a sensação era tão irritante que fui obrigado a deixar o local. Ao invés de comunhão, houve repulsão. Talvez tenha conseguido envolver outros, não sei. Mas para mim não passava de uma experiência efêmera das quais fala o texto.