Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Escuro Claro

Priscilla Carvalho em foto de Heloísa Bortz.

Todo símbolo tem sentido duplo. A palavra “luz”, em árabe, Nûr, um dos nomes de Alhah, que começa com a letra do alfabeto árabe nûn, (cuja forma é o de uma barca, um cálice) tem seu simbolismo ligado ao Profeta Jonas e ao ventre da baleia, que é escuro, traz em si a ambigüidade, pois toda luz requer escuridão para ser enxergada e dela nasce. O expelir do Profeta do ventre da baleia simboliza justamente um renascimento e tem muito a ver com minha peça, que é um grande ventre escuro onde a Luz é gestada e parida no final. Toda criança é gerada na escuridão. Minha peça fala dessa gravidez, desse limbo que é a espera da Luz, do primeiro dia. O símbolo é poderoso e precisa ser entendido. O estado que eu tentei criar com a peça é o do mundo intermediário, que, supostamente se dará depois da morte, estado do Bardo (como dizem os tibetanos), do Barzak (como dizem os árabes), estado comum a todos, mesmo em vida, por representar a transição, o entre. Minha idéia é que o espectador precisasse o tempo todo estar em um estado de busca de discernimento para poder interagir com a peça. Buscando discernir, buscando achar a luz, em vez de estar em um estado passivo, de receber tudo pronto. As asas estão, a paralisia está. O que seguir? O que enxergar? Discernir. O ator é o intermediário, a ponte, o istmo entre os dois mares, o das trevas e o da clareza. O ator deve produzir o intercâmbio entre esses estados e a platéia. Está na capacidade dos atores de produzirem a luminosidade o segredo dessa peça. Nós estamos o tempo todo trabalhando duro para tentar conseguir isto. A cada pulsação de um barzak se produz uma transformação da luz vital. Expansão e contração, afirmação e negação, exatamente como são os movimentos do corpo dos atores na peça e o da criança no útero e o do coração, que é o molde do sujeito. O coração é o mediador entre as esferas do Espírito e a alma individual. A peça tem o movimento da respiração, das ondas, dos fluxos: do coração. Paralisia e vôo.

Precisamos de um espectador imbuído de olhares investigativos e não de moralismos psicológicos e precipitados.

Nenhum comentário: