Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Exercício Excalibur

Artur Pescador - Perdão, senhorita, posso entrar?

Guenevera - Entrar? Aqui o público não vem mais, o que veio fazer aqui, tolo? O teatro não pode competir com o mar.

Artur Pescador - Chove lá fora. Posso me abrigar da chuva aqui?

Guenevera - Eu sou mulher e atriz, posso ser chuva também.

Artur Pescador- Que imagem bela é a água.

Guenevera - Não para de chover em mim, espectador errante, isso é benção ou castigo? Veio se abrigar da chuva no teatro? Surpresa! Hoje representaremos “A Tempestade”.

Artur Pescador- Eu vim ao teatro querendo ouvir a música do mar.

Guenevera- Se meu amado apenas me tocasse com seus lábios, como a flauta eu romperia em melodias.

Artur Pescador- Se eu fosse um flautista...

Guenevera- Sou uma flauta sem notas. Estou seca. O mar é que é molhado.

Artur Pescador- Se o seu ouvido estivesse em meu peito agora, ouviria o lá que afina.

Guenevera- Toquei tantas notas e nunca encontrei esse lá, por que estaria o lá aí?

Artur Pescador- Talvez o lá seja a única nota em si.

Guenevera- O mar encobriu a música. Assim, atriz, não pareço capaz de amar? Pensa que tudo que faço é representação? Amei mesmo que meu amado amasse mais o mar do que minha melodia.

Artur Pescador- O Amado é tudo em tudo, quem ama é apenas cortina, véu.

Guenevera- Se o amado é o único que vive, quem ama está morto? Sou atriz, sei morrer de verdade.

Artur Pescador- Sou espectador, como eu poderia me manter vivo se quem eu amo revelasse seu rosto?

Guenevera- A morte é a derradeira cortina. Os atores já não atuam mais com máscaras. O amor quer ver o seu espelho revelado, pois se o espelho não reflete, de que serviria?

Artur Pescador- Por que um espelho não refletiria?

Guenevera- Porque a ferrugem não teria sido retirada de sua face.

Artur Pescador- Daqui só vejo clareza.

Guenevera- Sou frágil, eu me quebraria fácil como a arte se quebra sem o rito.

Artur Pescador- Eu te trouxe um rito. A música agora é o silêncio do avesso. Posso te chamar de esposa, como quem toca a mais bela melodia?

Guenevera- Experimente me tocar para ver se eu sou música.

Artur Pescador- Esposa.

Guenevera- Destino.

2 comentários:

Revistacidadesol disse...

Que belo diálogo, belas imagens literárias e belas fotos do seu blog.

Abs do Lúcio Jr.

Lina Gabriella disse...

"Não para de chover em mim, espectador errante, isso é benção ou castigo? Veio se abrigar da chuva no teatro?" Não Leo, não viemos nos abrigar no teatro. Viemos nos molhar por que estamos secos demais! Viemos beber das águas que escorrem pelas paredes molhadas de imagens de vida que você cria, para não morrermos de sede.. Viemos dar ADeus ao medíocre através dos banhos intermináveis, de banheira ou chuveiro, tomados por seus personagens molhados. Queremos nos tornar chuva também. Sem nenhuma pretenção de lavar nossos pecados no lugar inapropriado, queremos nos inundar do Sagrado que jorra do seu teatro.

Bjos

Lina Gabriella