Leiam texto sobre Plínio Marcos aqui.

domingo, 31 de outubro de 2010

Se eu falar "Papai Noel", você já estará sendo manipulado!

Entre 1999 e 2001, eu passei por uma experiência inusitada, fiquei escrevendo minhas peças em uma agência de propaganda. Foi uma idéia do publicitário Celso Loducca, de ter um artista, no caso um dramaturgo, inquietando seus diretores de arte e redatores. Nem eu nem ele sabíamos o que eu estaria fazendo lá. Em princípio eu ficaria um mês, escrevendo peças de teatro e tentando provocá-los. Fique quase três anos, em uma das experiências mais fascinantes da minha vida. Inventei uma coluna diária chamada “O Palácio das Mentiras”, em que eu escrevia textos extremamente provocativos, falando sempre muito mal não só do trabalho deles, mas da vida que levavam, e acabei virando uma espécie de ombudsman da agência e das pessoas que ali trabalhavam. Muitos deles nunca tinham pisado em um teatro na vida. O bom é que eles me desmoralizaram muito também, me fazendo enxergar o quanto a maioria do que é feito em teatro é insuportavelmente chato. Na troca, aprendi a perder o preconceito, a conhecer o trabalho daqueles que sempre foram considerados os demônios da criatividade, aprendi a conviver com pessoas que precisam ter idéias 24 horas por dia, em um negócio extremamente competitivo e arriscado, no qual cabeças rolam o tempo todo e fazer sucesso com uma campanha é uma questão imprescindível para uma sobrevivência no mercado.

Alguns de nós, artistas, são muito mimados, divas de uma pseudo-ética, de um puritanismo falso. Precisamos perder certas ingenuidades, precisamos lembrar que o Papai Noel é como é por causa de uma campanha publicitária da Coca-Cola. Pois é, meus amigos, sinto ter que lembrá-los, mas quem criou a imagem do bom velhinho gordo, simpático e caridoso, vestido de vermelho e branco com uma cinta preta (lembrem da garrafa do refrigerante) foi o publicitário Thomas Nast, em 1920, em uma campanha paga pela gasosa mais bebida no mundo. Sem sentimentalismos, pensemos. Somos melhores do que eles? Nós queremos que nossas obras apareçam tanto quanto um dono de produto quer que seu produto apareça. Eu aprendi com as “putas da criatividade” que tudo pode ser feito diferente do que já existe o tempo todo. Essa mesma agência onde eu escrevi algumas de minhas peças foi capaz de criar recentemente um anúncio comestível, e outro em uma capa de revista em que você aperta um botão e fala direto com o produtor, conseguiu mobilizar a cidade no Projeto Cyan (que em grego quer dizer “a cor da água") da Ambev e pintar jornais e páginas da web de azul e muito mais. E nós, o que conseguimos de inovador quando queremos divulgar nossas peças, nossos livros, nossos CDs, nossos trabalhos artísticos? Até quando vamos ficar nessa ladainha de que precisamos de “gente famosa” em nossos projetos para chamarmos atenção? Por que não conseguimos inovar e apresentar uma criatividade genial quando queremos mostrar nosso trabalho? Será que não está na hora de pensarmos em nossas produções artísticas como um “job” de forma mais integral, desde a idéia até a colocação do produto no mercado de forma inovadora? E vale também perguntar, aí sim, nos diferenciando e muito da publicidade, se o que temos para mostrar é realmente diferente, de qualidade, e importante para o “consumidor” ou se nossa arte é apenas mais um objeto de consumo e entretenimento barato, que afirmamos que é bom só porque é nosso. Por que, afinal, qual é a função da arte?

Fazer propaganda não é vender uma marca ou um produto, é conhecer pessoas, conhecer como pensam as pessoas, como reagem psicológicamente às coisas, para que se possa manipulá-las, para que queiram comprar marcas e produtos. Então chegamos a uma questão ética, não chegamos? Devemos manipular pessoas para que saibam de nossas obras? Talvez, nossa criatividade na hora de divulgar deva ser pautada pelo conteúdo do que queremos mostrar. O que queremos mostrar? Não somos comestíveis, não somos um botão em uma capa de revista, não temos força para pintar o mundo com a cor da nossa arte. Então, o que somos? O que podemos fazer?

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